A MULHER QUE ESQUECEU DE SORRIR
Era um domingo qualquer, eu estava preparando uns bolinhos de chuva para a crianças comerem naquela tarde que garoava. Pela janela, que fica em cima da pia, eu podia ver as gotinhas escorrendo lentamente enquanto as árvores do quintal se agitavam com o vento e a água caía trazendo um ar mais fresco e um cheiro de terra molhada. É claro que Cléo e Tobias, preferiam o cheiro do docinhos que viriam logo mais. Inácio, que estava ocupado montando a nova estante que compramos, tinha trabalho para driblar as brincadeiras com os pequenos e a montagem do móvel. Nossa vida se resumia a isso. Obrigações.
— Crianças, vão lá com a
mamãe um pouquinho?
— Ah, não! — Disse o pequeno
Tobias.
— A mamãe é chata! — Falou
Cléo baixinho para que eu não ouvisse.
— Natália, digo, a mamãe não tem nada de chata, eu
preciso me concentrar e ela ama vocês! — Sussurrou Inácio, olhando para mim
para ter certeza que eu não tinha ouvido.
— Ela nem dá risada — Falou
Tobias emburrado.
Eu, como uma planta, fingia
estado vegetativo enquanto colocava as bolinhas deformadas na gordura quente.
Mas apesar de disfarçar, eu ouvi cada parte da conversa. E talvez, colocar
minha mão naquela panela doesse menos do que pensar que eles tinham razão.
Quando foi que eu parei de
sorrir? Eu não conseguia me lembrar. Eu me recordava de ser feliz, e eu me
considerava assim de alguma maneira, mas de fato, não com a mesma intensidade.
Acho que parei de sorrir no meu primeiro parto. Foi tão doloroso, tive
depressão, mal conseguia olhar para minha filha. Na época, não tínhamos muito
dinheiro e passamos vários meses bem apertados. Quando pude voltar ao trabalho
e a menina ficava com minha mãe, as coisas começaram a melhorar, mas ao mesmo
tempo, eu tinha uma jornada dupla de trabalho. Em casa e no escritório. Com o
tempo vamos nos acostumando com tudo e nossas rotinas invadem nossos dias,
deixamos de realizar alguns sonhos, acostumamos a dormir pouco, adiamos coisas,
damos prioridades aos filhos e... terceira jornada. Engravidei de novo, e veio
tudo à tona novamente. Eu não sei como resisti. O ser humano é realmente capaz
de surpreender.
O que me chamou atenção, foi
passar quase dez anos, e só então eu ter notado que estava no piloto automático
todo esse tempo. Levantando, cuidando da casa, arrumando as bagunças das
crianças, levando na escola, indo trabalhar, chegando em casa, preparando o
jantar, conferindo se as lições foram feitas, cuidando dos uniformes, lanches, tentando
ler, me informar, ser esposa, pensando no que comprar no mercado, indo aos
médicos, uma estante que estraga, a cama que não está legal, e por aí vai,
ladeira abaixo.
Quando foi que virei uma
robô dentro da minha própria casa? Inácio e eu mal conversamos. Sempre o
básico; sobre os meninos, o que precisa ser feito na casa e nada mais. Nunca
mais fui ao cinema ver um filme que não fosse infantil. Nem saí jantar somente
com Inácio. Viajar? Não se iluda, sem chance. Mas acima de tudo, mesmo com
todas as dificuldades que sempre existiram e vão continuar existindo, em algum
momento eu esqueci de sorrir, de me fazer feliz mesmo com as obrigações, de
reconhecer as coisas boas que me faziam bem e que estavam ao meu lado. Deixei
de rir das piadas, de achar graças dos comentários inocentes das crianças, de
olhar uma foto e lembrar daqueles momentos com bom humor, de comer algo e
simplesmente sorrir por satisfação.
Não é à toa que eles não
querem vir comigo. Eu aprendi a ser o que eu pensei que era minha melhor
versão, mas esqueci do equilíbrio.
Com cuidado, afastei a
panela do fogo, agachei para que as crianças viessem comigo, as abracei
enquanto secava uma lágrima, da qual não queria que elas vissem, respirei e
lembrei que eu tinha muitos motivos para dar risada e que o melhor dia para
mudar seria naquele mesmo.
Com uma atitude inesperada,
comecei a maior sessão de cócegas que aqueles pequenos já haviam visto. A
guerra foi declarada, chegamos até Inácio, que entrou na brincadeira e quando
estávamos todos no chão implorando para que todos parassem, nos entreolhamos e
rimos até faltar o ar. Ali, eu comecei a resgatar minha essência, minha
família e o meu sorriso.
Bruno Lopez
Parabéns, vc escreve com uma leveza e doçura. Amei
ResponderExcluirObrigado! Todas as quartas tem texto novo <3
ResponderExcluirParabéns, como sempre amei!
ResponderExcluirMuito obrigado pelo carinho :)
ExcluirÓtimo texto. Representa a realidade não só de muitas mulheres hoje, mas de muitas pessoas no geral que estão tão presas e desgastadas a suas rotinas, que acabam esquecendo de viver. Me lembrou das almas perdidas no novo desenho da Disney, Soul.
ResponderExcluirNossa! Excelente referência... aquele filme é perfeito e inspirador.
ExcluirUm sorriso muda o mundo!
ResponderExcluirQue lindo texto.....
Sim, e nunca podemos nos acostumar a não sorrir :)
ExcluirUm sorriso muda o mundo!
ResponderExcluirQue lindo texto.....
Mais poderoso do que tudo...
ExcluirMais poderoso do que tudo...
ExcluirMais poderoso do que tudo...
ExcluirQue texto amei
ResponderExcluirMuito reflexivo nós faz auto avaliar como estamos levando a vida
Temos que nos cobrar e auto avaliar como estamos vivendo a vida por que vira e mexe acabamos caindo no piloto automático
Exatamente... não podemos deixar o piloto automático ativar. Sorrir sempre vai ser o melhor remédio :)
ExcluirTantas obrigações, tantas tarefas, tantas exigências... Uma pessoa pode se esquecer até mesmo de viver. Às vezes, é necessário um "toque" para olhar para si e ver o que está acontecendo.
ResponderExcluirDisse tudo! Olhar para si é essencial. Cuidar da gente pode ser o melhor caminho para podermos cuidar dos outros :)
ExcluirPor alguns minutos li a realidade de muitas mulheres, quantas não estão no piloto automático? Ler esse texto foi literalmente ver a realidade de muitas em forma de palavras... Lindo Bruno 👏🏽👏🏽👏🏽
ResponderExcluirSim Priscila, infelizmente, muitas pessoas, não somente as mulheres, vivem no piloto automático e esquecem do que realmente as fazem felizes. Obrigado pela leitura <3
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