A LATA DE BISCOITOS
Quando
eu era criança sempre gostei mais das embalagens do que dos presentes. É claro
que eu amava ganhar presentes, mas para mim, tudo aquilo que vinha antes o
tornava mais especial. Nossa vida era simples e qualquer coisa poderia ser um
bom presente. Um sabonete, um bloco de anotações, roupa nova, meias, livros e
até cuecas. Mas um dia ganhei um presente para a vida toda.
Tia Nice, que morava na capital,
tinha uma vida mais confortável do que a nossa e sempre que podia ia viajar.
Lembro que ela sempre foi muito atenciosa e nos mandava notícias através de
cartões postais. Cada cartão era um novo sonho. Eu ficava me imaginando naqueles
lugares, o cheiro, o clima, os sons. Quando voltava, ela sempre nos contava os
detalhes dos passeios, as novidades que conhecia, mostrava fotos, mas também
sempre me trazia alguma lembrancinha. Graças a ela eu tinha um globo de neve, chaveiros,
marcadores de páginas, um guarda-chuva, camisetas e o melhor de todos, que
recebi em um dia muito especial, uma lata de biscoitos.
O embrulho era suntuoso, com um laço
azul bem grande, um papel prateado que brilhava muito em contato com a luz e um
tamanho suficiente para que uma criança ficasse alvoroçada. Cuidadosamente
desfiz o nó, afinal, em casa sempre aproveitávamos as embalagens para outros
presentes, e fui abrindo o saco. Sempre gostei de fazer essas coisas bem
devagar, eu gostava de valorizar o momento, para mim, era uma maneira de
eternizar aquilo tudo. Ao retirar o que tinha dentro pude ver a lata mais linda
que já havia visto em minha vida, era uma lata retangular, pintada em azul, com
a imagem da avenida Champs Élysees
e o Arco do Triunfo de fundo.
Meus olhos denunciaram
minha emoção. Enquanto passava a mão na pintura em alto relevo parecia que eu
estava naquele lugar, esbarrava naquelas pessoas, sentia o aroma do café
servido por ali e das flores que eram vendidas na rua, eu podia sentir as
folhas sendo chutadas enquanto caminhava.
— Você
gostou, Charles? — Perguntou minha tia emocionada.
— Sim. — Respondi
balançando a cabeça e abraçando-a.
— Esse
menino é uma manteiga derretida. — Falou mamãe enquanto todos se emocionavam.
Enquanto
elas conversavam e colocavam o papo em dia eu idolatrava minha lata. Nem em
meus sonhos um presente poderia ser tão especial. Devagar abri a tampa e na
parte de dentro tinham biscoitos açucarados em formatos diversos embalados em
papel manteiga. Não pude resistir e logo comi um deles. Desmanchava na boca.
Era um sabor que eu nunca havia provado antes.
Para que
aquilo durasse mais tempo, deixei que mamãe comesse comigo, mas limitei para
que fosse apenas um por dia, afinal eu não queria que acabassem logo, mas um dia
acabou e só sobraram migalhas no fundo da lata.
Confesso que
fiquei um pouco triste porque de alguma maneira parte da magia havia acabado,
mas então pensei que aquela lata azul poderia guardar outras coisas. Quem sabe,
sonhos? Prometi que um dia eu visitaria aquela rua, aquele café, aquela
floricultura e daí poderia ser feliz para sempre.
Na lata
comecei a guardar minhas listas de sonhos, cartões, postais que recebia e
bilhetes importantes (alguns de amor). O tempo foi passando, eu fui crescendo e
tendo novas perspectivas. Eu já trabalhava, estudava e tinhas mais
responsabilidade, mas nada disso me fez parar de sonhar. A lata, além dos
sonhos, começou a abrigar documentos, projetos e coisas que eram importantes ao
longo da vida. Minha latinha sempre foi meu xodó e não gostava que ninguém
chegasse perto, mexesse ou olhasse, ela era minha.
Infelizmente
alguns sonhos são adiados, nossas prioridades mudam, a sorte vira para lá e
para cá e o vento vai soprando nosso destino. Minha decepção foi aumentando
quando os contratempos chegavam, coisas quebravam e precisavam ser consertadas,
doenças na família, falência da empresa em que trabalhava, mortes... tempos
difíceis.
Aos 40 anos,
minha esposa me deixou, não tínhamos filhos e eu fiquei sozinho. Eu tinha que
seguir a vida e o importante era ter saúde e o resto viria. Não sei bem o que é ter sucesso na vida, tive
muitas dificuldades, poucas oportunidades, mas enfim descobri, não tão tarde
quanto alguns pensam, que o poder de um sonho move nossos caminhos.
Hoje, apesar
de só, posso marejar os olhos enquanto, de fato, sinto o cheiro de um buquê de
rosas que acabei de comprar na Fleuriste
da Champs Élysees.
Bruno Lopez
Amo ler suas histórias , parece q estou até nela sinto cheiro de café ,e gosto de biscoito. Parabéns meu amigo ❤️
ResponderExcluirWow! Que delícia saber que causo essas sensações, obrigado mesmo ❤️
ExcluirGostei muito....você é um ótimo escritor.
ResponderExcluirFico muito feliz com isso, obrigado pelo carinho.
ExcluirParabéns Bruno,lindo texto
ResponderExcluirMuito obrigado <3
ExcluirAmei a sua história...
ResponderExcluirParabéns Bruno!!! Vc é um grande escritor
Ah... fico muito feliz que tenha gostado, todas as quartas posto um novo texto. Obrigado pelo carinho.
ExcluirAmei essa!!! Senti o sabor do biscoito ao mesmo tempo que por um triz não desço no ponto errado!! Kkkk... Um abraço de 5 mnts em vc!!! Love u
ResponderExcluirAh, que delícia de comentário!!! Obrigado pela leitura e que bom que não perdeu o ponto rs Beijo.
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