FIM DE PAPO

 *Este texto contém gatilhos emocionais, com temática sobre suicídio.



O sol está radiante lá fora. Há uma brisa leve, dessas que não precisa de blusa, mas é suficiente para espalhar as folhas secas que caem das árvores. Um dia típico de começo de primavera, muitas flores pelos caminhos, céu azul, quase sem nuvens, um dia perfeito.

A perfeição de um dia pode se dar por vários aspectos, nem sempre é, apenas, pela beleza ou encantamento da natureza; pode ser definido pelo que aconteceu neste dia, em especial. E falando em “perfeito”, vale lembrar que tudo é relativo. Tem sempre mais de um lado.

A passos lentos, ele entra em casa e se depara com um velho conhecido.

 — Eu mal consigo olhar pra você.

Com os olhos baixos, Federico continua ouvindo a conversa sem ao menos trocar um olhar.

— Como você pode ser tão ruim em tudo o que faz?

— Eu sei que, talvez, você não mereça ouvir isso, e é exatamente o que os outros irão falar, mas eu preciso dizer o que acho. Você é a pior pessoa que eu conheço.

 — No que, exatamente, você é bom?

Com uma nítida força, consegue erguer a cabeça e olhar seu oponente.

— Não adianta fazer essa cara de quem comeu e não gostou. Você sabe que só estou falando verdades.

— De que adianta ser inteligente, até bonito, talvez, e esperto... Se no fim das contas você continua sendo um perdedor?

— Não acho que você tenha mais jeito nessa vida. Eu queria que tivesse...

— Você se lembra na quinta série, quando foi humilhado pelo pessoal da escola porque sua calça era justa demais, para eles? Você nem tentou se defender por medo de apanhar dos meninos. Frouxo.

— Nossa, às vezes fico aqui pensando sobre tudo o que passamos e você sempre era o derrotado. No trabalho, na família, com suas namoradas...

— Nunca deixou eu te ajudar! Nunca quis minha parceria. Me ignorava mesmo eu estando todo dia ao seu lado.

— Amizade verdadeira é aquela que tem conversa, verdade e confiança. Mas de que adianta eu falar o que sei, se você simplesmente ignora?

— Olho pra você e não tenho vontade de nada. Tenho pena, tenho dó. Apenas.

Arregaçando as mangas da camisa, Federico chega mais perto e diz:

 Eu que desisto de você. Você não sabe o que é ser feliz. Ninguém te entende, ninguém pode te ajudar. É fácil falar de mim quando está em uma posição privilegiada. Suas palavras nunca saíram da minha cabeça, mas eu nunca consegui colocar seus planos em ação.

— Só há um jeito de acabar com o seu sofrimento. Minhas lutas se tornam suas e precisamos dar um basta.

Com muito cuidado, Federico coloca a mão direita no bolso e tira vagarosamente uma lâmina de barbear novinha, dessas que vem embalada em um pedaço de papel.

— Isso é tão afiado... Tem que tomar muito cuidado se não quiser se machucar. Mas, também, você não sentiria mais esta dor. Se comparar o que você tem dentro de si, um corte de navalha dói muito menos.

Enquanto falava, Federico começou a cortar seus pulsos até uma grande quantia de sangue se juntar como uma poça no chão. Sem muita energia e com a pressão já muito baixa, Federico se desequilibrou, bateu a cabeça no espelho em que se olhava e caiu no chão. Dois dias depois, foi encontrado morto pela sua faxineira. Em sua lápide ficou escrito:

“Era um dia perfeito, um jovem perfeito, tudo perfeito demais para ele perceber...”


Bruno Lopez

Comentários

  1. Parabéns Bruno! Mais uma vez vc me emocionou!Abordou um Tema tão delicado e tão necessário!Bjs 👏

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    1. Obrigado pelo carinho! Nem toda história tem um final feliz, mas é importante a gente saber que podemos ajudar a ter mais finais alegres.

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  2. Pesado porém realista
    Muitas das vezes na correria da vida temos que parar e observa todo o ao redor para entende o quão perfeito a vida é
    Que muita das vezes a imperfeições estão em nossas mentes
    Precisamos parar e respirar Gratidão para Continuar a caminhada

    Muito reflexivo o texto uma importante reflexão para todos

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    1. Os menores detalhes enriquecem nossa vida com alegria e muitas vezes não percebemos. Que tenhamos cada vez mais habilidades em ser feliz e fazer os outros felizes.

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  3. Parabéns Bruno!!!! Estou amando ler seus trabalhos!!!!

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