PAPEL DE PRESENTE

por Bruno Lopez

Em uma cidadela muito distante, havia uma senhora muito pobre. Dona Gertrudes morava em uma casa simples feita de barro, com janelas de madeira pintadas de azul. Não qualquer azul, azul celeste. Como sua casa ficava em uma viela estreita demais, Dona Gege, como era conhecida na vizinhança, não podia ver o sol do conforto do seu lar, então decidiu trazer o céu até sua casa através da cor.

Todos os dias, molhava suas plantinhas que viviam na jardineira suspensa na frente da casa. Apesar da simplicidade, Gertrudes sempre foi feliz à sua maneira. Vivia sozinha e já não tinha familiares por perto. Viúva, dedicava a vida ao luto e às poucas regalias que tinha com a pensão do falecido alfaiate.

Como era de costume, todo domingo ia à missa com seu vestido de sair e logo depois passava comprar um doce da vitrine de seu Henrique. Olhava atentamente a cada detalhe daquelas delícias e depois de algum tempo pedia para viagem. O pacote daquela padaria era o que Gertrudes mais gostava. Claro que o doce era também de dar água na boca, mas ela sempre teve uma paixão não muito secreta pelas embalagens.

Quando era pequena e ainda vivia com seus pais, era comum no Natal ou dia de ano ganhar um presente especial. A pequena Gege sempre foi muito comportada, obediente e estudiosa. Sendo assim, mesmo sem muitos recursos, seus pais davam um jeito de comprar algo para tornar as festas ainda mais especiais.

Gertrudes sempre gostou muito de ganhar mimos, mas para ela o que mais importava era em que aquilo estava envolvido. Podia ser uma caixa, um pedaço de papel, ou simplesmente um laço. O sentimento de carinho colocado no processo em transformar alguma coisa em presente, era o que mais lhe chamava atenção. Podia ganhar um botão, desde que estivesse embrulhado. Muitos de seus conhecidos, incluindo seus pais, quando ganhavam algo, logo iam rasgando o invólucro para ver o que de tão especial tinha dentro. Mas, para Gertrudes, a alegria começava antes mesmo de abrir.

Como um hábito, sempre guardou cada papel que recebia, debaixo do colchão para não amassar, e quem sabe, utilizar em uma ocasião especial. As caixas e latas mais bonitas, usava como porta mantimentos ou para guardar objetos pessoais. Aos poucos a vida foi passando...

Se casou, não pôde ter filhos, seus pais faleceram, as poucas amigas já estavam velhas quando seu marido também morreu. Mesmo assim, Gertrudes nunca perdeu o sorriso nos lábios, a esperança de dias melhores e o prazer pela vida. Em sua rua de pedras, podia sempre caminhar enquanto contemplava as construções rudimentares da região, ao encontrar um conhecido fazia questão de perguntar se estava bem e sempre colocou o máximo de carinho em tudo que fez, afinal, acreditava que as pessoas são o reflexo de suas experiências.

Gertrudes chegou à velhice com muita alegria no coração e sem nenhuma doença grave. Há quem diga que foi sorte, mas todos os dias ela dormiu junto ao carinho de cada um que lhe presenteou enquanto viva.


Bruno Lopez
 

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