TEMOS VAGAS
Era mais uma quinta-feira ensolarada. Sempre às 16h, neste dia da semana, eu e Andy sentávamos à mesa da sacada que dava para a rua, para tomarmos um delicioso café da tarde. Nós escolhemos um dia que ficasse bom para ambos desfrutarmos da companhia um do outro. Durante a refeição havia regras: não utilizar o celular, não falar coisas ruins e era proibido dizer que estava de dieta. A regra geral era comer e ter um momento só nosso.
Eu conheci o Anderson há dois anos e, desde então, minha vida teve algumas mudanças. Tenho uma pousada da rua do Rosário e hospedo, principalmente, jovens viajantes que buscam um lugar legal e barato para dormir. O trabalho é duro, mas eu amo receber pessoas de todo lugar e conversar os mais diversos assuntos. Eu já ajudei a preparar um pedido de casamento, esconder filho de uma mãe brava, dizer para a namorada que não havia ninguém por ali e muitas coisas da quais estão anotadas em meu diário.
Ultimamente não tenho tido tantos
hóspedes quanto gostaria. Desde que conheci Andy, nossa relação ficou intensa.
Nunca perdemos muito tempo com detalhes e regras, fomos logo fazendo o que
nossos desejos mandavam. Em menos de três meses de namoro, Andy se mudou para a
pousada que tinha o meu nome, “Casa de Maia”. Aos poucos fomos nos acostumando
um com o outro, cada um tinha um lado na pia do banheiro, a porta certa do
guarda-roupa, a gaveta na cômoda, a caneca preferida, as manias e por aí vai...
O meu “mô” não gostava muito quando
eu recebia hóspedes homens, em especial, os bonitos. Morria de ciúmes. Eu
explicava que era meu trabalho e que fazia parte, até porque nunca eu cogitei
namorar algum cliente, embora várias cantadas ficavam no ar e até visitas
surpreendentemente despidas nas madrugadas à minha porta. Detalhes à parte, eu
nunca dei motivo para que ele tivesse tanta preocupação, mas era algo que fazia
parte da essência dele. Eu entendia como cuidado para comigo, no fundo eu
achava fofo. Quer dizer, no começo eu achava bonitinho, depois começou a me irritar,
afinal, eu nunca tive ciúme ou o impedi de fazer qualquer coisa.
Como nem tudo é perfeito, aos poucos
fui recebendo mais mulheres do que homens. Para mim, tudo bem, afinal o
dinheiro era o mesmo e as mulheres eram mais limpinhas, facilitavam minha vida
na hora de limpar os banheiros. Andy começou a acompanhar mais de perto meu
negócio e me ajudar a administrar. Ele sempre manteve o trabalho dele como
engenheiro civil, mas dava seus pitacos no meu negócio, o que de fato me
ajudava muito em alguns momentos. Aos poucos ele me convenceu a mudar um pouco
a cara da pousada; tiramos a decoração mais jovem e deixamos mais formal,
retiramos a antiga placa em mosaico, da época de minha avó, escrita “Temos
Vagas”, mudamos as refeições para alimentos mais saudáveis, pintamos as paredes
com tons mais pastel, subimos os preços, oferecíamos opções mais simples para
os clientes, segundo ele isso facilitava nosso trabalho e fazia com que
ganhássemos mais dinheiro. No começo, isso de fato aconteceu, mas no fundo eu
não estava gostando muito da ideia. Eu sempre cuidei de tudo sozinha, como
minha mãe fazia e eu nunca vi a pousada apenas como um investimento, mas sim
uma extensão da casa que me fazia ganhar dinheiro.
Com tantas mudanças, o meu público
mudou também, começamos a receber pessoas mais velhas e que estavam de passagem
à trabalho. Os turistas começaram a procurar outros lugares. Com a redução das
hospedagens, meus rendimentos haviam caído e eu já não tinha mais capital para
mudar novamente. Sentamos e conversamos várias vezes para tomarmos a melhor
decisão, mas no fim ele sempre dava um jeito de provar que estávamos no caminho
certo.
Os deliciosos cafés, que sempre
foram agradáveis começaram a ficar tensos, muitas vezes sem assuntos, e os
últimos, sem mesmo muita opção do que comer. Estávamos economizando para suprir
outros gastos. É claro que, para mim, isso não era o problema, eu poderia comer
pão e água se estivéssemos bem e felizes, mas ultimamente, Anderson só sabia
falar de negócios, e para piorar, falava da pousada como se fosse dele. Eu não
via mais o mesmo brilho no olhar de antes. Andy estava diferente comigo, e isso
ficou bem claro na última quinta-feira, quando ele simplesmente usou o celular
na mesa. Aquilo foi o fim. Eu levantei e fui para o quarto, onde me tranquei em
silêncio.
Algumas semanas se passaram e
Anderson sentou para conversar comigo sobre nossas contas. Não estávamos em um
momento fácil e o único jeito seria vender a pousada. Ele tinha um apartamento
onde poderíamos morar e um emprego para nos sustentar, mas essa não era a vida
que eu queria para mim. Não me imaginava como uma dona de casa que precisa
pedir para o marido o dinheiro da padaria, ou simplesmente, dar satisfações
sobre tudo o que gasta. Fui percebendo que meu marido tomou conta da minha vida
e eu deixei que isso acontecesse. Ele tinha ciúmes dos hóspedes e me convenceu
a receber apenas as moças. Depois, com inveja do meu sucesso, fez com que as
pessoas deixassem de querer ficar na minha pousada. Além disso, não contente,
não queria minha independência financeira e pessoal. Deu um jeito de me prender
em suas mãos, como se nada mais fosse possível e eu devesse minha vida a ele. Ao
perceber tudo isso, decidi não ser mais manipulada. Sentei à mesa com o celular
em mãos e o informei:
— A “Casa de Maia” voltará a receber
jovens mochileiros e alto astral. Essa sempre foi uma tradição de minha família
e ninguém mais vai impedir que isso aconteça.
— Você tá louca? Nem dinheiro para
recomeçar você tem.
Sem dar explicações, afinal eu que não
era boba nem nada, tinha uma poupança para emergências da qual ele desconhecia.
Levantei, fui até a antiga administração e peguei uma sacola. Antes de qualquer
coisa, fiz com que ele fizesse suas malas e fosse embora. Assim que ele se foi,
contra vontade, diga-se de passagem, eu me senti livre e com esperança
novamente. Percebi que nenhum homem ou qualquer pessoa pode nos mudar dessa maneira.
Errada fui eu que permiti, mas a partir de agora serei feliz e quem quiser se
juntar a mim será bem-vindo, mas nunca mais ninguém irá manipular minha vida
desta maneira.
Com a sacola em mãos e Anderson já
longe, retiro a antiga placa que estava guardada e a coloco na porta: TEMOS
VAGAS.
Bruno Lopez
🤩
ResponderExcluirObrigado <3
ResponderExcluirAmo esses textos...💞
ResponderExcluirQue legal saber disso... mt obg
ExcluirA nossa essência nunca devemos deixa ninguém mudar
ResponderExcluirJamais
ExcluirBruno, que história linda!
ResponderExcluirSou sua fã s2
Ownnnn! Obrigado.
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