DA CAPO
Hoje, sentado na velha cadeira que tenho em minha sacada,
pude perceber como a vida da gente pode mudar pelo simples fato de escolher.
Antigamente a vista que eu tinha daqui era muito verde, podia
ver ao longe. Agora há outro prédio ao lado e só consigo enxergar janelas,
todas elas parecem vazias. Vazias como os sonhos que deixamos para trás, os
desejos que não demos importância, as pessoas... ah, as pessoas!
Aprendi cedo a desistir. Não que eu quisesse, mas eu
precisava muitas vezes deixar algo de lado para seguir em frente. Quando
escolhemos um caminho e não outro, tudo muda ao nosso redor, mesmo que seja
imperceptível ao primeiro momento, muda. Me concentrando em relembrar as coisas
do passado, me vi entendendo algo, que antigamente, não entrava em minha
cabeça.
Na casa em que eu morava quando era jovem, tinha uma vizinha
que cantava o dia todo... É claro que precisamos praticar aquilo em que
desejamos ser bons, mas a mulher cantarolava sem parar, parecia nunca dar uma
trégua; quando errava algo (que acontecia toda hora) voltava desde o começo.
Música é sempre bem-vinda, mas não havia qualidade. E não estou falando em
repertório, digo da voz. Era péssima, o timbre mais horrendo que já ouvi.
Desafinada era elogio, aquilo era fora do comum. Como podia, com tanta prática,
alguém continuar ruim? Talvez ela precisasse de aulas, bons professores, ou
simplesmente, entender que aquilo não era para ela e que ninguém a queria ouvir
mais uma vez, do começo.
Eu realmente não entendia o porquê dela não parar e se
dedicar a algo em que fosse melhor. Mas em um misto de nostalgia e culpa por
deixar passar tanta coisa, eu percebi que mesmo com todas as dificuldades,
ainda assim ela sempre se fazia ser ouvida, se dedicou àquilo que amava e
buscava evoluir. Mesmo que os resultados não fossem perfeitos, ela nunca abriu
mão do que acreditava e não desistiu pelo que os outros diziam, ela simplesmente
era feliz fazendo o que queria.
Não sei dizer se ela melhorou, pois algum tempo depois fui embora e fiz minha vida, tomei decisões que me trouxeram sozinho a esta antiga varanda, mas ela nunca vai se arrepender por deixar um sonho de lado, não teve medo de melhorar, de estudar e de tentar. Talvez todos nós devemos sempre tentar, da capo.
*Da capo:
desde o início (expressão que indica, nas partituras, que se deve repetir,
desde o começo, o trecho executado).
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ResponderExcluir<3
ResponderExcluirVerdade Bruno...devemos sempre tentar, da capo!
ResponderExcluirReflexivo
ResponderExcluirMuito bom
👏👏👏👏👏👏👏👏👏
ResponderExcluirAdorei o texto. Às vezes, não nos damos nem a chance de tentar algo novo por medo e é natural. Porém, muitas vezes estamos deixando talentos e dons que precisamos desenvolver, definharem dentro de nós pouco a pouco por conta disso. A vida é curta então é melhor que corramos, tentemos e arrisquemos agora... Antes que seja tarde e não tenhamos experimentado a dor ou o alívio de um dia ter dado o primeiro passo.
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