LÁGRIMAS DOS ANJOS

por Bruno Lopez 

Desde pequeno minha mãe me contava histórias. Antes de dormir era minha hora favorita de ouvir. O problema, para ela, é que eu nunca dormia. Sempre fui curioso o suficiente para resistir ao sono e descobrir o que iria acontecer com os personagens. Minha imaginação flutuava enquanto eu esperava os novos acontecimentos. Quando era um livro curto, tudo bem, pois eu ficaria sabendo o desfecho naquela mesma noite, mas quando era uma história mais longa, eu queria que o dia acabasse logo, só para a mamãe sentar na beirada da cama e começar a ler para mim.

Eu mesmo não sabia ler, gostava de ver as imagens e ficava passando os dedinhos gorduchos pelas palavras como se eu realmente soubessem o que significavam. Eu, de fato, não entendia, mas podia sentir cada uma delas. Eu sabia que ali naquele código tão difícil de entender estavam gravados segredos, romances e aventuras. Era definitivamente a melhor hora do dia.

Como de costume, todas as noites mamãe aparecia e lia algo para mim. Certo dia, acabou a energia e sua vista não era tão boa para ler à luz de velas; então, para que eu dormisse feliz, resolveu me contar uma história, que segundo ela, seu pai lhe contava sempre que chovia.

“Era uma vez um menino chamado João... Diferente dos outros garotos. Ele não sabia explicar o porquê, mas todas as noite, enquanto dormia, podia ouvir a voz dos anjos. Os anjinhos sempre lhe contavam histórias sobre o céu e como era árduo o trabalho de cuidar dos humanos. Em uma das conversas, um querubim um pouco tristonho, revelou que ele ficava muito triste com as maldades que as pessoas faziam umas com as outras, e com isso, ele não aguentava e chorava. Mas quando ele chorava, suas lágrimas em excesso faziam chover muito na nuvem que habitava. Sentindo-se culpado pela grande quantia de chuva nos últimos tempos, confessou a seus amigos que a culpa era dele por soltar tantas lágrimas de tristeza. Ao ver o amigo abalado, outro anjo confesso que também chorava muito, mas de emoção sempre que via alguém fazer o bem, e como nos últimos tempos tinha presenciado muitas boas ações, se viu chorando muitas vezes de alegria. Sendo assim, aquelas chuvas de lágrimas eram um misto de sentimentos, mas quando virava água e tocava a terra era tão pura que podia levar a felicidade a qualquer um que a sentisse. A partir daquele dia, os anjinhos sempre que choravam faziam uma oração para que aquela água abençoasse a vida de quem fosse tocado por ela. Então sempre que chover, lembre-se: A chuva é feita de lágrimas de anjos que estão no céu orando por nós”.

Quando mamãe terminou aquela história, senti uma paz absoluta. Com um beijo de boa noite, ela se despediu e tive uma noite de bons sonhos.

Hoje ao olhar a chuva que escorre pela janela, no silêncio de domingo no final da tarde, penso se minha mãe virou um anjo e está chorando para que a chuva me encha de bênçãos. Com delicadeza, deslizo o vidro, e deixo cair sobre o meu rosto aquela chuva gelada, pura e refrescante. A saudade é tanta que sinto que aquela água me preencher de alguma forma.

Hoje conto essa história para todas as crianças que eu posso, para que nunca seja esquecida. Não sei dizer se realmente existem anjos que voam e tem auréolas, mas considero todos aqueles que nos fazem bem, nos ensinam a ser melhor e nos protegem como anjos vindos do céu. E cada gota que flutua, seja de amor ou pêsame, quando toca a pele, vira paz.


Imagem de Richard Corrêa 

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