AMIGO SECRETO


“Noite feliz... noite feliz...”

Uma tradicional canção de Natal, me fez parar em frente à igreja feita de pedras que ficava na avenida principal. Sobre as escadinhas que levavam à porta principal, o pequeno coral cantava notas afinadíssimas enaltecendo o aniversário mais famoso do mundo. Era noite da véspera e poucas pessoas estavam ali para apreciar tal evento.

Com sorrisos nos rostos, os coralistas encerravam a apresentação com uma música positiva e que falava sobre o amor e a importância em ajudar o próximo. Com os aplausos dos gatos pingados que ali estavam, foram se afastando e o show havia acabado. As pessoas da rua foram andando para suas casas ou festas natalinas... Eu, que não tinha muito o que fazer nesta data, fiquei caminhando devagar para não chegar logo ao meu destino.

Mesmo não me alegrando muito com o Natal, eu sentia algo estranho dentro de mim nesta época do ano. Parecia que faltava alguma coisa. Talvez fossem os parentes distantes, que aliás, não davam a mínima para mim; talvez os poucos amigos ou até mesmo minha falta de habilidade em cozinhar qualquer coisa além do trivial. Seria interessante poder presentear pessoas, e até mesmo ganhar presentes de alguém querido.

Enquanto seguia pelas vielas segurando minha sacola de comida, percebi um homem de pele mais escura, cabelos na altura do ombro e vestes surradas sentado atrás de um grande vaso de flores, perto de uma loja de grife. Seu olhar era triste, confuso e perdido. Sem pensar muito sobre o assunto, me dirigi até ele.

— Está tudo bem?

—Tudo é muita coisa, mas estou bem para uma véspera de Natal. — Falou rindo com os poucos dentes inteiros em sua boca.

— O que vai fazer hoje?

— O que acha? Vou aproveitar esse cantinho para dormir. Aqui, geralmente, os seguranças nos expulsam, mas hoje é Natal.

— Bem... Você gosta de comida árabe? Tenho o suficiente para dois.

— Quem diabos come comida árabe no Natal?

— Eu como. — Falei rindo.  

Depois de bater um pouco mais de papo com o sujeito, perguntei se ele se importaria de eu me juntar a ele e fazer ali mesmo nossa tão inesperada ceia.

— É sério isso? Um burguês feito o senhor vai sentar no chão?

— Você me vê assim e tem essa imagem na cabeça, mas sou bem mais simples do que imagina. Aliás, não tenho com quem passar o Natal e ficaria muito feliz e honrado se aceitasse dividir este espaço comigo nesta noite.

— Se é assim, senta aí...

Não preciso nem dizer que a calçada não era nada glamorosa, mas tínhamos o essencial: vontade de estar ali, comida, bebida e até as luzinhas de Natal do prédio em frente que piscavam em cores diferentes. Eu não tinha ninguém me esperando, então ali fiquei e conversamos a noite toda enquanto comíamos, bebíamos e ríamos de toda e qualquer coisa.

— O senhor é muito gente boa. Nem ligou de passar o Natal comigo. Essa foi a primeira vez que passei com alguém desde que me lembro.

— Eu devo dizer o mesmo. Não me lembro de um Natal tão alegre. Obrigado por dividir seu cantinho comigo.

Um clima de emoção tomou conta daquele pedaço. Já havia passado da meia noite e não tinha quase ninguém mais por ali, ficamos conversando por mais algum tempo e logo que me levantei, o rapaz cujo nome eu nem lembrei de perguntar, abriu os braços e me convidou para um caloroso abraço. Naquela hora não me importei com o possível mau cheiro, foi reconfortante.

— Hoje o senhor fez eu me sentir uma pessoa. — falou o homem com lágrima nos olhos.

Sem conseguir segurar minha emoção, simplesmente sorri enquanto chorava junto a ele.

— Antes do senhor ir, quero te dar algo… — Disse o sujeito.

Meu novo amigo se virou e abaixou para abrir sua mochila já bem usada. De dentro dela ele tirou um enfeite, desses de colocar na árvore natalina, e me entregou. Era uma botinha com a palavra “Noel” escrita. Aquele gesto me desmontou. Sem jeito, simplesmente agradeci.

— Eu não tenho nada para retribuir…

— Você me deu a melhor noite da minha vida, ceou comigo e me trouxe a esperança nos homens. Eu só tenho que agradecer.

Com uma alegria que contagiou todo o meu corpo, acenei e fui para casa. No caminho fiquei pensando se era justo alguém dormir na rua apenas por estar sozinho. Eu também era assim, e ainda, tinha um quarto sobrando em meu apartamento. Imediatamente voltei a passos rápidos ao local onde estava para convidar o homem a passar a noite em minha casa. Mesmo parecendo arriscado, eu sabia que era o certo a se fazer. Afinal, eu nunca tinha tido um Natal tão gostoso antes.

Ao chegar em frente à loja não havia mais ninguém. Nem mesmo os objetos pessoais do cidadão. Como era possível alguém desaparecer tão rápido? Olhei atentamente ao chão e não conseguia entender, será que eu imaginei tudo aquilo? Será que a polícia o tirou dali? Parecia tão real!

Na tentativa de entender, coloquei a mão no bolso e segurei a botinha que havia ganhado. Eu não estava sonhando. 

Já em casa e sem conseguir explicar, coloquei o enfeite na árvore que eu insistia em montar todos os anos. Mas agora, eu tinha entendido o verdadeiro significado do Natal. Nunca me senti tão vivo como naquele momento, e sem esperar nada, ganhei o melhor presente de um amigo realmente secreto.


Bruno Lopez

Comentários

  1. Nossa
    Que lindo !!!
    Gostei muito do texto.
    Quero aproveitar pra lhe desejar um feliz Natal.

    ResponderExcluir
  2. Muito lindo e significativo. Gosto muito de seus textos. Feliz Natal!!!!

    ResponderExcluir
  3. Que emocionante, gostei!
    Um ótimo Natal pra você.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Conte o que achou do texto...

MAIS POPULARES