RETICÊNCIAS
Eu
nunca entendi muito bem porque a mamãe contava até três para que eu fizesse o
que ela queria. Realmente acreditava que eu seria capaz de realizar qualquer
coisa em míseros segundos?
João
Paulo, um...
João
Paulo, dois...
João
Paulo, três...
É
claro que, sempre que ela se voltava a mim e começava a falar, utilizava um tom
ameaçador, como se algo terrível pudesse acontecer. A verdade é que ela tinha
um coração muito bom e nunca me bateu ou me deixou de castigo. Sempre prometia (ao
menos mentalmente) fazer coisas cruéis e nunca cumpriu suas vãs ameaças. Eu,
que não era bobo nem nada, não correspondia suas expectativas e fazia o que bem
desejava, afinal, sairia impune de qualquer maneira.
Todos
os dias em minha infância, eu ouvia a sequência numérica que mais saía da boca
da minha mãe. O tempo passou e cada vez menos ela chamava minha atenção. Deve
ter percebido que não era eficiente ou que eu não a respeitaria por aquilo.
Quando
já adulto, eu não morava mais com ela, mas costumava fazer visitas semanais, o
relacionamento entre mãe e filho era muito bom. Desde sempre éramos somente
nós, e mesmo aprontando mil e umas, ela nunca me abandonou ou me puniu.
Confesso
que senti muita dificuldade na vida adulta quando tive que obedecer meus
chefes, engolir em seco comentários, opiniões e críticas alheias. Tive que
aprender a baixar a cabeça, pedir desculpa, reverter as situações e muito mais.
Em vários momentos, fui eu quem contava até três para tentar me acalmar. Talvez
mamãe não tenha me educado como desejava. Por outro lado, conhecendo a vida
como é, tentou me avisar como seria, mas me poupou o quanto pôde. Hoje, sei a
importância dos limites, obediência e tudo mais; quando tiver filhos, saberei
como fazer. Ou não.
O
inevitável dia chegou. Cedo demais. Ela morreu e me deixou com a saudade e as
lembranças. Depois de um tempo de luto, consegui entrar na antiga casa e
arrumar as coisas dela. Em uma caixa velha de sapatos havia um enorme bloco de
anotações, com várias datas. Muitas delas eram antigas, de quando eu ainda era
criança.
Na
frente das datas tinham textos que começavam com reticências, como se
completasse alguma sentença.
... quero enforcar esse
garoto.
... um dia, ele vai ver
o que é bom para tosse.
... por que faz isso
comigo?
... onde está seu pai,
que nos deixou?
... eu mereço passar por
isso?
... respira, respira,
ele é uma criança.
... eu não sei educar.
...é tão difícil entender?
...ninguém me ensinou o
que e como fazer.
.... sou uma péssima
mãe.
Depois
de algumas frases escolhidas aleatoriamente, percebi que seria só ladeira abaixo.
Eu, então percebi, de que eram as continuações de cada frase que ela iniciava
com meu nome e contava até o número três. Eu a fazia se sentir incompetente
como mulher, fracassada como mãe, e mesmo assim, me amou acima de tudo, segurou
seus impulsos e me proporcionou a melhor vida que pôde. E eu achando que quando
ela parava nos três pontinhos, bolava retaliações a mim, quando na verdade se
martirizava pelo meu comportamento.
Guardei
aquele bloco em uma gaveta e sempre que posso o consulto para tentar ser uma
pessoa melhor. Aprendi a rezar para pedir perdão a ela, não sei bem ainda como
funciona ou se dá tempo, mas sinto que seja minha obrigação, pois hoje sei que
nenhuma reticência paira no ar. Elas sempre continuam, e nem sempre é uma
bobagem.
Agora, respiro, lembro dela com um sorriso, e sempre que posso a homenageio contando um, dois, três...
Bruno Lopez
Boa noite como sempre arrasou 💗
ResponderExcluirQue alegria ver este comentário, muito obrigado <3
ExcluirParabéns , mais um belo texto, amei!!!!!!! ...
ResponderExcluirObrigado por sempre me acompanhar :)
ExcluirMeus parabéns! amei
ResponderExcluirObrigado mesmo :)
ExcluirTexto bom demais
ResponderExcluirAh mães a minha amo demais que ainda tem deve dar muito valor
Sim, valor total ! <3
ExcluirEssa ainda contava até três, pior as que nao contam.......😘
ResponderExcluirRs, verdade... essa tinha uma paciência de Jó.
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