UM É DOIS, TRÊS SÃO CINCO

 




Todos os dias pela manhã, ao me arrumar para sair de casa e ir ao trabalho, eu tinha um ritual. Acordava vagarosamente, me espreguiçava, abria as cortinas, olhava para o nada (era nada mesmo, afinal minha janela ficava em frente ao muro), ia até o banheiro, tomava banho, secava meus cabelos, me vestia, preparava um delicioso café da manhã, pegava minha bolsa carteiro que cabia tudo e um punhado de moedas.

Ao chegar no ponto de ônibus, escolhia algum banco que não pegasse sol. Como eu morava próximo ao ponto final eu podia sentar onde bem quisesse. Depois de uns 20 minutos do trajeto, era comum um rapaz alto, moreno e com muitos dreads no cabelo entrar no ônibus oferecendo seus “famosos” pães de mel.

— Olha o pão de mel.... Um é três, dois são cinco! Me ajudem a pagar minha faculdade, não tenho emprego, não tenho nada, mas quero ser alguém na vida, meu pão de mel é o melhor que vocês já provaram... Um é três, dois são cinco reais.

— Eu quero um! — Disse uma senhora mais à frente.

— Veja dois para mim, por favor. — Pediu um rapaz com cara de sono.

Eu certamente não acreditava em toda aquela história de faculdade. Não era por mal, mas ele não tinha cara de quem estava empenhado nos estudos. De qualquer maneira, estava tentando ganhar a vida, e não vou mentir que me surpreendeu ele falar o português corretamente, diferente dos outros vendedores dos coletivos.

— E onde você estuda jovem? — Perguntou um homem mais velho.

— Na Unibel. — Respondeu prontamente.

— Nunca ouvi falar. Deve ser mentira. — Sugeriu o rabugento.

— Não senhor, eu estudo história e posso trazer meu RA para te provar amanhã. — Se defendeu o garoto.

— Até parece, sai daqui moleque e pare de me amolar com essa história para boi dormir. — Resmungou o ancião e virou de lado falando sozinho.

Nitidamente, o moço dos pães de mel ficou incomodado com a situação, pois todos ficaram olhando para ele. O fato era que verdade ou não, ele estava ali apenas trabalhando e não era mentira que os doces eram deliciosos. Tanto que eu, todos os dias comprava logo dois.

— Eu vou querer o de sempre, por favor. — Pedi sorrindo ao moleque.

— Muito obrigado. Os seus sempre ficam guardados para ninguém comprar. Você não vai se arrepender.

Eu agradeci e o jovem desceu em um ponto de transferência para vender mais docinhos em outros ônibus. Eu sentia pena do pobre rapaz ter que, aparentemente, mentir para ganhar uns trocados, mas por outro lado, ele usava uma estratégia diferente dos outros ambulantes. Minha consciência ficava tranquila sabendo que estava ajudando alguém que, teoricamente, queria estudar. Minha parte eu fazia, de alguma maneira.

Depois de alguns anos fazendo o mesmo percurso e engordando alguns quilos por conta de tanto pão de mel, percebi que o vendedor não aparecera mais. Um dia após o outro e nada. Perguntei ao motorista e ele também não sabia do paradeiro. Minhas moedas continuavam esperando pela sobremesa, mas já havia passado muitos dias e nunca mais o vi. Devia ter mudado de freguesia ou de bairro, ou ainda, algo ruim ter acontecido.

Para minha surpresa, em uma sexta-feira qualquer, o rapaz sobe no ônibus, e ao vê-lo, um alívio tomou conta de mim, afinal nada de tão grave devia ter acontecido. Seguindo em minha direção, no silêncio (confesso que estranhei), ele sentou-se ao meu lado, e da mochila tirou uma pasta; nela estava um diploma de graduação em História e ele me contou que estava indo para seu primeiro dia como professor estagiário em uma escola pública.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu realmente ajudei alguém a mudar de vida. Sempre foi verdade. Com um abraço, desejei sucesso e tive que descer. Desde então, sempre que posso, ajudo a quem pede. Muitos acabam por mentir, mas não sou eu quem deve julgar. Quando fazemos algo de bom coração, somente o mesmo sentimento pode nos retornar.


Bruno Lopez


Comentários

  1. Lindo texto! É uma realidade! Muito gratificante quando está realmente ajudando alguém! 🥰

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  2. Muito bom o texto
    E uma realidade em nosso dia a dia em diversos lugares
    E é muito gratificante poder ajudar quem realmente precisa

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  3. Adorei Bruno!! Como é gratificante quando ajudamos alguém realizar o seu sonho !!

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