BOLHAS


Quando eu era criança, minha mãe nunca deixava usar os sabonetes que eu ganhava. Nós tínhamos, claro, as barras do dia a dia, e eram bem cheirosas até, mas comuns. Vez ou outra quando era aniversário ou alguma data comemorativa, ela ganhava alguns bem diferentes. Tinham cheiro e formato de frutas, dava até vontade de comer. Talvez por isso, mamãe não me deixava chegar tão perto...

Quando alguém me dava um, eu nunca podia usar. Vovó tinha esse costume de presentear com sabonetes, até mesmo o mais simples, para ela, era um grande presente. E o engraçado é que eu sempre gostei, mesmo quando criança. Ela recomendava que deixasse na gaveta de roupas ou em algum armário para espalhar aquele aroma e perfumar a casa.

— Mas, mãe, sabonete não é para tomar banho? — Perguntei confuso.

— Para tomar banho, lavar as mãos, perfumar, presentear... Mas esses mais chics, a gente guarda e coloca para dar um perfuminho nas roupas. — Orientou ela.

— Mas eu queria usar... — Insisti.

— Deixa de bobagem Douglas, onde já se viu, ficar desperdiçando coisa cara com isso? Usa o que tem no banheiro que é a mesma coisa. Esse você aproveita melhor guardando. — Finalizou a conversa.

Mesmo não gostando da ideia, eu a obedecia, mas no fundo, sempre fiquei com vontade de me ensaboar com aqueles das embalagens bonitas. Uns eram redondos e grandes, outros retangulares, alguns em formatos de bolos e tortas, eram uma tentação. E os embrulhos? Um mais perfeito que o outro, dava até dó de rasgar.

O tempo foi passando, e os costumes enraizaram cada vez mais em meus dias. Eu mantinha todos os sabonetes diferentes e caros guardados em algum lugar. Certo dia, presenteei uma amiga com um kit importado, vinha em uma lata incrivelmente linda também, afinal, para mim, poderia ser um dos melhores presentes do mundo, e me espantei quando recebi a mensagem dela dizendo que adorou o mimo e que a pele dela ficou muito macia após o banho.

“Como assim? Você desperdiçou? — pensei na mesma hora”. Aquilo queria dizer que ela simplesmente usufruiu do presente e se permitiu às novas sensações. Por todo esse tempo eu me limitei a um costume, que provavelmente, veio de gerações que precisavam muito economizar, e nunca me dei ao luxo de me banhar com aqueles sabonetes tão maravilhosos. Sem mais resistência psicológica, na mesma hora, abri uma embalagem que estava embaixo de umas blusas na cômoda e parti, para o que foi, o melhor banho da minha vida.

Além do prazer, de enfim realizar um desejo, eu estava me libertando de crenças limitantes, enxergando outras possibilidades, e aproveitando as coisas boas da vida como eu bem queria, estourando as bolhas transparentes e perfumadas que sempre ficaram escondidas.

Bruno Lopez

 

Comentários

  1. Que graça esse texto! Remeteu-me a
    muitas lembranças. Uma delas, juntar dinheiro para comprar uma caixa de sabonete para presentear a mãe, na infância margeada por dificuldades mil.Alma de flores! Esse era o nome! Hoje, tenho o hábito de colecionar sabonetes diversos e claro, roubar-lhe a essência para perfumar gavetas e memórias....

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    1. Que delícia essas memórias! Realmente, algumas coisas simples que vivemos, podemos levar para toda a vida. E os sabonetes, para mim, são sempre carinhos embalados prontos para presentear quem se gosta.

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  2. Que texto lindo
    Amei
    Muito bom
    Temos que vivermos a vida não podemos a limitar
    Temos que viver da melhor forma aproveitar todas as sensações e experiência nota 10

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    1. Nos permitir a novas experiências é uma sensação maravilhosa 🙂

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  3. Lembranças de minha avó e madrinha. Sempre colocando os sabonetes nas gavetas e nos ensinando a fazer o mesmo....
    Amei!!!

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    1. A importância desses presentes era tão grande que mereciam ser guardados com muito carinho... ❤️

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