A NOITE QUE CHEGAVA ANTES
Eu não entendia muito bem, como a
noite chegava antes na casa de dona Luzia. Quase todos os dias, eu ia até a
casa dela, pois minha mãe trabalhava durante a noite em uma fábrica de botões,
e não tinha com quem me deixar. Nossa família morava muito distante, em outro
estado, mas Lulu, como minha mãe a chamava, era praticamente sua irmã de
coração e a tia que a vida me deu.
A gente morava em uma vila
tranquila, todos se conheciam, mas como eu era pequeno, ela preferia que eu
ficasse aos cuidados de tia Lu. Lá era minha segunda casa, pelo menos era assim
que eu me sentia, e que ela fazia questão de me lembrar.
Infelizmente, Luzia havia perdido
o filho, que tinha a mesma idade que eu, para uma doença rara e que o levou
cedo demais. O quarto de Marcelo continuava intacto, com vários brinquedos e
com a colcha de ETs que ele adorava. Eu tinha apenas seis anos, mas consigo
ainda me lembrar da sensação de entrar naquele cômodo. Nas primeiras vezes, ela
não queria que eu estivesse lá, mas depois entendeu que poderia ser o meu
cantinho, e ao mesmo tempo, daria vida aquele espaço tão bonito e nostálgico.
Eu não tive muitas oportunidades
de ficar com ele, afinal, Marcelinho sempre estava no hospital ou não podia
receber visitas, mas mesmo assim, a gente acabava dando um jeito de driblar a
situação e brincar de alguma coisa. Geralmente, eu ficava do lado de fora da
porta ou da janela para simularmos que estávamos no espaço ou que eu era um
Extra Terrestre e estava invadindo a casa dele. Foram raros, mas bons momentos.
Aos poucos, ele foi ficando mais doente, até que partiu. Todos ficamos muito
tristes. Por quase um ano, ninguém, praticamente, viu Luzia do lado de fora da
casa. Minha mãe sempre a ajudou com tudo sem falar nada, era um amor puro de
irmãs.
Os dias foram passando, e Luzia
viu a necessidade de seguir em frente, embora ainda não conseguisse se desfazer
das coisas do filho. Quando ela permitiu que eu usasse o quarto dele, eu
comecei a imaginar o que ele via por ali, como era sua vida naquele aposento.
Ele não podia sair, ficava apenas deitado. Um dia, em sua cama, fiquei olhando
para o teto. Eu nunca tinha reparado, até então, a beleza daquilo tudo. Era
perto do anoitecer, mas ainda era dia. O ambiente já estava escuro. Lá fora
ainda tinha um pouco de sol, mas ali, as estrelas começaram a aparecer.
O teto do quarto parecia o céu,
igual quando já é noite e as estrelas começam a brilhar e nos intrigar com seus
mistérios. Eu fiquei ali apreciando aquele teto preto com incontáveis estrelas fluorescentes
que acendiam. Quanto mais escurecia, mais elas apareciam. Minha imaginação foi
à mil...
Várias histórias se passavam em
minha cabeça, eu fechava os olhos e podia ouvir os barulhos de uma nave
espacial, ou ainda, alguns seres de outro mundo tentando se comunicar. Algumas
vezes eu sentia até um cheiro diferente, me sentia flutuando como se estivesse
na gravidade. Era magia pura. Então eu entendi como Marcelo se sentia, apesar
das suas dificuldades.
Anos se passaram e hoje sou
adulto. Não moro mais na mesma cidade que mamãe e Luzia. Elas ainda são
vizinhas e confidentes, porém aposentadas. Eu, sempre que posso as visito, ou
faço uma ligação para saber das novidades. A vida me presenteou com duas mães
maravilhosas.
Mas o que mais me cativa, ainda
hoje, são os tetos de cada lugar que visito. Criei esse hábito desde aquele dia
e sempre que entro em algum hotel, museu, restaurante, ou até mesmo, em alguma
casa diferente ou uma sala de aula; a primeira coisa que observo é o teto. A
sensação de que a magia das estrelas pode começar a qualquer momento sempre me
acompanha, e algumas vezes, eu recebo a mesma vibração que naquele dia na cama
de Marcelo. Geralmente, quando sinto algo especial, ao olhar para um teto, eu
posso apostar que aquele lugar vai me trazer uma bela história, ou quem sabe,
um refúgio.
Alguns tetos me emocionam, outros
me dão confiança, tem aqueles que me intrigam, mas de qualquer maneira, um teto
sempre vai me fazer sentir mais perto de casa, dá a impressão de que há um
mundo de memórias e possibilidades por ali. Mamãe, Tia Lu e Marcelo estão sempre
em meu coração e nunca me sentirei sozinho, enquanto puder me encantar com
algum teto ainda não explorado que me traga a noite, antes mesmo, dela
aparecer.
Bruno Lopez
Muito bom!
ResponderExcluirMuito obrigado 🙂
ExcluirMaravilhoso...Viajei!...🤩🥰❤💋
ResponderExcluirQue delícia viajar com uma história... obrigado pela leitura e pelo carinho de sempre ❤️
ExcluirDemais, maravilhoso....🌟🌟
ResponderExcluirTem coisas que parecem pequenas, mas fazem toda a diferença em nossas vidas. Obrigado 🥰
ExcluirTexto sensível. Enternecedor. Envolvi-me como se estivesse lendo um poema. A narrativa me deu um ponto de melodia, tecendo uma música para encantar os meus ouvidos com a sonoridade das palavras.
ResponderExcluirAlgumas histórias nos envolvem de tal maneira que mal parece um conto, chega próximo a uma lembrança. Obrigado <3
ExcluirQue leitura gostava amei muito leve nostálgico
ResponderExcluirMuito obrigado pelas palavras <3
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