JOGO DE DAMAS

 



Larissa procurava por um emprego, o momento no mercado de trabalho não era um dos melhores, mas para ela, nunca parecia ter sido. Acostumada com tanto não que ouvia, cada vez mais, perdia as esperanças. Suas amigas e colegas mais próximas passavam pela mesma situação. “Quando se nasce pobre, preta e não se encaixa nos padrões, é assim que eles te tratam”, essa frase aparecia em sua mente cada vez que passava por alguma situação difícil, ou seja, todos os dias. Sua mãe quando disse isso, se despedia, de forma indiferente ao mesmo tempo que parecia lhe dar um conselho preocupado.

Lari, como era chamada pelos mais próximos, nunca encontrou seu verdadeiro amor. Muitos caras a procuravam e a desejavam em segredo, mas o sentimento de cumplicidade, paixão e respeito, que ela tanto sonhava, ainda não tinha aparecido. Sua fraqueza, segundo ela, eram as roupas. Mas que mulher não precisa de peças novas para se sentir melhor? Acreditava que os detalhes faziam sempre a diferença. Mesmo com todos os recursos que utilizava para valorizar sua beleza, ainda assim, ninguém parecia a querer. Em hipótese alguma, ela aceitaria trabalhar nas ruas vendendo seu corpo a troco de migalhas. Ela sabia seu valor, e mesmo que os outros não descobrissem, ela acharia um jeito de mostrar.

Em suas lutas estavam várias coisas comuns para outras mulheres. Ir ao banheiro era sempre complicado, alguém, de algum modo, se sentiria ofendido. Caminhar em vias públicas era motivo de ser apontada, julgada, assediada e discriminada. Expressar sua verdade parecia ofender pessoas que nem a conheciam ou se importavam, o simples fato dela existir parecia incomodar a qualquer um. Ser quem ela era, representava um erro. A vida, para ela, parecia um tabuleiro, onde algumas peças seguiam em frente enquanto as outras eram simplesmente descartadas.

Por sorte, em seu caminho, sempre apareceu pessoas que a acolheram, compreenderam e cuidaram uma das outras. Mesmo com turbulências, conseguia se sustentar com trabalhos que considerava dignos e honestos.

Abandonada pela mãe.

Abandonada pelo resto da família.

Abandonada por “amigos”.

Abandonada pelos homens que tinham vergonha de sentir desejo por ela.

Abandonada pela sua igreja, que frequentava desde pequena mesmo discordando de muitas coisas.

Abandonada pela sociedade.

Abandonada pelo respeito.

Ser uma mulher transexual não deveria ser um problema, como parecia ser. Trans ou Cis, ela era uma mulher. Nascida no corpo errado, sua essência era feminina, em todos os sentidos. Não havia nada naquela pessoa que não fosse feminil. O corpo estranho que lhe cobria podia causar muitos transtornos desnecessários, mas ela sempre soube quem era e para onde queria ir.

Intolerância.

Preconceito.

Falta de empatia.

Um tiro.

Mais uma vítima.

Mais uma caixinha de sonhos que deixaram de existir.

Enquanto sobreviveu, Lari tudo enfrentou e nunca desistiu de ser feliz. Ela sabia que a sua felicidade estava em algum lugar, e que havia espaço para todos nesse mundo de (in)diferenças.

Larissa sempre ergueu a cabeça, secou as lágrimas, se levantou, perdeu as contas de quantas vezes precisou dar o primeiro passo. Mas com uma força descomunal, que ninguém talvez conseguisse explicar de onde vinha, sempre se reerguia. Se enfeitava com um batom carmim, arrumava os cabelos, subia em seus saltos e começava a partida novamente. Outros talvez não conseguissem, desistissem, não superassem, se culpassem e aceitassem viver de qualquer jeito. Mas sua essência era diferente, ela sabia que tudo podia, que daria um jeito, que venceria.

Larissa era forte, persistente, inteligente, sagaz, positiva, trabalhadora e inspiradora. Larissa era sem sombra de dúvida, uma mulher.


Bruno Lopez


Comentários

  1. Que a Larissa do texto possa representar as vozes sentenciadas ao silêncio. Que as Dandaras sejam lembradas por suas essências femininas. Que suas existências possam ensinar aos tolos e insensíveis que uma vez caladas, se tornarão eternamente inesquecíveis.

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    1. Disse, exatamente, tudo! Que essas vozes nunca sejam silenciadas!

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  2. Uma Guerreira da ficção mais que espelham em várias da vida real abordagem sensacional muito bom o texto

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  3. Que todas as mulheres sejam respeitadas, valorizadas, amadas e felizes.

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