DOAÇÃO MISTERIOSA

* O CONTO DE HOJE FOI INSPIRADO NAS HISTÓRIAS DE VIAGENS COMPARTILHADAS EM MEU INSTAGRAM ESTA SEMANA.



              

Se você for como eu, deve ser daquelas pessoas, que depois de muito tempo, encontra a resposta ideal para dar à alguém, evita ao máximo uma confusão, mas, que também, adora se aventurar e descobrir coisas novas. De fato, é muito bom, mas algumas coisas que acontecem em nosso caminho, são, no mínimo, intrigantes. Às vezes, é difícil conseguir se controlar e deixamos nossos sentimentos falar mais alto.

Realizar um sonho causa um frenesi descontrolado dentro da gente. É um sentimento de emoção misturado com orgulho e felicidade. Tudo ao mesmo tempo, e se tiver azar, como eu, uma dor de barriga que surge do nervosismo ao entrar em um avião. Não é medo, talvez ansiedade, curiosidade, vontade de viver. Foi assim que me senti há sete anos. Eu estava alegre e saltitante, por enfim, conhecer a Europa.

Depois de muito escolher e pesquisar, escolhi a Espanha. Este era um sonho antigo, não somente de viajar, mas estar onde meus ancestrais viveram. Cheguei primeiro em Madri, e meu queixo caiu desde os infinitos corredores do aeroporto de Barajas. A cidade era completamente encantadora e cheia de detalhes. Cidade grande, capital, mas com traços e cara de vilarejo do velho mundo.

Cada canto me chamava atenção, os palácios, museus, estilo de vida, os espanhóis e o vinho... ah, o vinho! Lá era a bebida mais barata e comum em qualquer lugar. Boas refeições, povo animado, música boa e um idioma que eu dominava e achava lindo. Em meu roteiro, eu viajaria por algumas cidades e dividiria meu tempo para conhecer o máximo possível. Fiquei alguns dias na metrópole e aproveitei para visitar a charmosa Toledo. Uma história à parte para aquele lugar.

Depois de lá, despedi do pessoal do hostel e parti de trem para Granada, uma das cidades espanholas mais importantes. Lá eu ficaria em um Airbnb, escolhi à dedo a localização próxima ao centro, e também, perto de tudo que eu queria. O município me encheu os olhos pela arquitetura. Os traços herdados dos árabes eram marcantes e as construções de causar impacto. Um misto de medieval com contos de fadas. Lembro que eu adorava caminhar pelas calles e aproveitar as famosas Cañas y Tapas. Tudo que eu descobria me deixava feliz. Era muita felicidade para guardar apenas para mim.

Apesar de estar amando o local, eu queria desfrutar mais daquela oportunidade. Mal ficava no apartamento que aluguei para ver tudo o que fosse possível. Na hospedagem, meu anfitrião era muito legal e aberto a ajudar em tudo. Não era muito de falar e fazia tudo bem devagar, talvez fosse o efeito da maconha, que nitidamente, era moradora fixa por ali. Meu quarto era individual, tudo sempre arrumado e calmo. Mal via os outros hóspedes no enorme apartamento.

Em uma rápida pesquisa na internet, descobri que podia fazer um curto roteiro nas redondezas e ir para mais lugares. Como eu já tinha pago um local por seis dias, tive uma ideia sensacional. Viajar por três dias, voltar, passar mais uma noite lá, e depois, voltar para casa, com muita história para contar.

De fato, histórias nunca faltaram, mas nem todas eram do jeito que eu antes imaginava. Segui meu plano, preparei uma mochila com poucas trocas de roupas para os próximos dias em Valência, Alicante e Múrcia. Deixei o resto guardado em minha mala grande dentro do armário e fui desbravar as estradas. Tudo era lindo. Lembro de cada paisagem que registrei, conhecimentos que adquiri, memórias que acumulei e sorrisos que espalhei.

Na volta, já cansado de tanto andar de ônibus e “turistar”, subi os quatro andares de escada até chegar na minha tão desejada cama fofa e com cheiro de amaciante. Como os hóspedes ficavam com a chave durante o período, entrei sem bater ou avisar, e lá estava o dono da casa servindo o café da manhã.

Desejei bom dia e vi alguém com a cara pálida e totalmente confusa. Questionei se ele estava bem e ele respondeu algo inesperado.

— Estoy bien, gracias, pero ¿estás aqui de nuevo, Júlio?

Na hora eu não havia entendido o porquê de ele estranhar minha presença. Com a certeza de que ele estava tomando uma boa brisa, apenas acenei e fui para o meu quarto, para enfim dormir o dia todo. Abri a porta e nada fazia sentido. Minhas coisas tinham sumido. Tipo, tudo.

Voltei para a sala, onde Hector estava parado no mesmo lugar mexendo seu chá. Perguntei onde estavam minhas coisas, e com a maior calma do universo, ele me informou que havia doado tudo para uma comunidade carente, pois achou que eu tinha ido embora sem avisar e que abandonado aquelas coisas.

Sem acreditar naquilo tudo, e tentando entender em que momento uma pessoa acharia, simplesmente pelo fato de achar, que alguém que estava pagando a reserva por um período e deixou coisas guardadas, resolveria, de repente, largar tudo e ser feliz longe...

Inacreditável! Tudo estava tão perfeito, por quê logo comigo foi acontecer aquilo? Sem entender o meu estresse, ele explicava que eram apenas roupas e uma mala. Mas não era só isso, eram minhas únicas roupas e a mala que Cíntia, minha vizinha, tinha me emprestado. Furioso, fiz ele deixar sua xícara na mesinha de centro e me levar até a tal comunidade para recuperar minha bagagem. Sem falar durante o caminho, ele me levou em seu carro e o lugar não era muito longe, mas parecia demorar muito para chegar.

Ao frear do automóvel, fui direto ao bazar e expliquei a situação. A dona do lugar lamentou a confusão e disse que poderia me ajudar, mas quase tudo já havia sido distribuído aos pobres e apenas quatro peças ainda restavam na mala. Peguei o que tinha sobrado e queria chorar. Voltamos em silêncio. Eu emburrado e sem nenhum clima de ser feliz, ele aparentemente pleno. Eu não poderia tirar a roupa de quem não tinha e passava frio, não podia bater no host, embora fosse a minha vontade, não queria me comunicar com aquele cidadão, mas eu devia ter feito ou falado mais alguma coisa.

Sem ver mais graça alguma em viajar, dormi sem descansar, acordei cedo e fui embora sem despedir. Joguei a chave sobre a mesa e não paguei a metade que faltava. Ele nunca me cobrou. Deve ter entendido a razão.

Depois de um tempo, vi a história com humor, mas na hora, eu queria apenas chorar. Hoje, enquanto tomava banho, pensei que eu deveria ter exigido roupas novas, reclamado no site de reservas ou feito qualquer coisa, mas na época não consegui pensar em nada, apenas em como sair de lá sem mais prejuízos.

Se você for como eu, sabe que, no fundo, talvez bem no fundo mesmo, eu fiz a diferença para muita gente, mesmo que eles não saibam como ou porque aconteceu.

Bruno Lopez

Comentários

  1. Vivendo e aprendendo, mesmo em circunstâncias inusitadas!...Amei!...👏❤🥰🤩💋🙌🙌

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    1. Quando me contaram essa história, primeiro fiquei horrorizado, depois ri, e agora vejo que é, acima de tudo, um aprendizado em vários aspectos...

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