EVITE FICAR NAS PORTAS



Um dia chuvoso, friozinho e belo, como deveria ser uma típica sexta-feira monocromática em São Paulo. No horário da saída do trabalho era sempre um caos, ainda mais quando todos queriam que chegasse logo o final de semana.

Último perrengue do dia: seria pegar o metrô na Paulista, com destino à República. Trajeto curto, poucas estações, então não era nada demais. Aí que você se engana. A habilidade de entrar naquele trem, na hora do rush, era merecedora de entrar nos currículos. Muita gente junta, um calor insuportável naquele subterrâneo, em dias de chuva, o chão ficava todo molhado, filas e mais filas, gente saindo pelo ladrão, pessoas encostando, ambulantes vendendo coisas na multidão e gritaria. A própria definição de caos.

Depois de muito esperar, consegui entrar em um vagão com destino à minha casa. Tudo que eu queria e merecia era um banho, uma roupa confortável, pedir uma comida qualquer e morrer no sofá "maratonando" minha série favorita.

Meu guarda-chuva estava pingando, então evitava encostar nele, mas era praticamente impossível, pois o carro estava absolutamente lotado, em um nível que eu mal tinha onde segurar. Estava apoiando as pontas dos dedos no teto para tentar me equilibrar. Recebia uma baforada no cangote, uma encoxada meio que de lado, não via a hora daquilo acabar, credo.

“Se não for descer na próxima estação, evite ficar nas portas”.

Eu reclamava de tudo, mas, para mim, aquilo não era nada anormal. Apenas o cotidiano, eu já havia decorado as falas anunciadas. O que eu não esperava era encontrar Samanta, minha melhor amiga desde sempre, na mesma situação.

— Ah, que bom te ver aqui! Faz tempo que a gente não sai... — Gritei para ela.

— Ai nem fale Marquinhos, estou morrendo de saudade. Falar com aplicativo não é a mesma coisa, mas a correria está tensa. — Respondeu Samanta enquanto se esforçava para se aproximar.

— Não quer ir lá pra casa e a gente pede alguma coisa para o jantar? Assim colocamos o papo em dia. — Sugeri.

— Adoraria, mas hoje já combinei como boy, sabe como é, né? — Fez cara de quem ia aprontar.

— Pior que não sei não. — Falei rindo, mas querendo chorar por sofrer um amor não correspondido.

— Mas, e aquela menina da seu trabalho, a Daiane? Não rolou nada ainda entre vocês?

— Fala baixo! Ah... você sabe que sou extremamente apaixonado pela Daiane do RH, mas acho que ela é demais para mim e nunca me daria bola. — Comentei chateado.

Uma pausa no diálogo, para uma informação importante: No instante em que Marcos diz sua última frase, o metrô para de repente no meio do túnel, um silêncio absoluto toma conta do lugar, seu tom de voz era alto, pois antes tinha muito burburinho ao redor e Daiane estava bem perto dos dois, que não a viram.

— Meu Deus, o que aconteceu? — Exclamou Samanta assustada com a escuridão.

— Você é apaixonado por mim? — Surgiu a voz de Daiane.

— Daiane você está aqui? — Respondi sem saber como agir.

Uma tremenda confusão naquele escuro, lanternas de celulares se acendendo, uma revelação daquelas no subterrâneo da cidade, eu roxo de vergonha, Samanta preocupada com seu horário e Daiane me caçando para ter explicações.

Que situação!

Alguns minutos de burburinhos e reclamações às cegas, e a luz se acendeu, a ventilação ligou e o trem andou. Estávamos bem perto da próxima estação e eu não sabia bem como agir com minha paixonite. Ela esperava uma posição, eu estava morrendo de timidez e Samanta queria mais era ver o circo pegar fogo.

“Próxima estação: Consolação. Conexão com a linha 4-Amarela do metrô, desembarque pelo lado direito do trem”, anunciou a voz macia dos alto-falantes.

Eu tinha poucos minutos para pensar, mas lembrei de um livro que dizia que as melhores coisas aconteciam de repente, então tomei coragem para, enfim, falar com Daiane. Se tudo desse errado, eu teria um fim de semana para pensar em como resolver, e se desse certo, eu teria o mesmo período para desfrutar. Parecia tão claro...

Com nenhum espaço para passar e chegar até ela, tomei a iniciativa de cavar um buraquinho no chão para colocar meu pé, na mesma hora, a porta se abriu, e como eu estava bem grudado nela, fui empurrado para fora sem querer. Samanta e Daiane me olhavam lá de dentro, e enquanto me levavam para longe, as perdi de vista. Ao tentar voltar, a passagem se fechou e não consegui. Desci na estação errada, e ainda perdi a chance de falar com minha crush.

E eu que pensava que nada podia piorar... No fundo, eu sabia que se não fosse no impulso, eu não teria mais coragem de falar com ela. Ou seja, eu não conseguiria mais, depois de tudo. Talvez fugir fosse a solução mais óbvia naquele instante, mas, eu também poderia ficar doente ou mudar de emprego...

Triste, desolado e sem esperanças, arrumei minha mochila nas costas e me virei para continuar meu caminho, a pé mesmo, para arejar a cabeça e lavar a alma naquele temporal.

— Eu também gosto de você. — Surgiu uma voz aveludada, bem pertinho de mim.

Do nada, Daiane apareceu em minha frente, me beijou e confessou que meus sentimentos eram correspondidos. Sem entender, eu apenas retribuí. Depois que saímos daquela muvuca, ela me contou que deu um jeitinho de sair do metrô quando me viu sendo jogado para a plataforma e que tínhamos muita coisa para conversar. Completamente bobo com aquilo, decidimos ir para casa e jantarmos juntos.

O fim de semana prometia ser ótimo. Samanta mandou várias mensagens de apoio e sobre o novo namorado. Apesar do susto e da vergonha, de alguma maneira, foi sorte ter acabado a energia naquele dia, no entanto, eu levo para a vida a frase que aprendi, e que pode sempre facilitar uma vida:

“Se não for descer na próxima estação, evite ficar nas portas”.

Bruno Lopez


 

Comentários

  1. Genial!...Amo finais felizes!..❤❤❤💋💋💋🙌🙌

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  2. E do nada somos surpreendidos pelo final. Muito bom!

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    1. Ahhh, obrigado Vi! Um final feliz é sempre bem-vindo, né?

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  3. Ah! Adoro quando o final é feliz .

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  4. Muito bom que leitura
    Que surpresa boa no final

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    1. Obrigado... pelo carinho de sempre, e lembre-se de não ficar próximo à porta se não for descer rs

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