FLOR DE CEREJEIRA
Quando eu era criança, morava em
uma casa bem pequena em um bairro pacato da cidade. A região era bastante
arborizada e eu sempre saía na rua para brincar com os vizinhos. Meus pais não
se incomodavam porque era muito seguro por ali. A gente morava em uma rua sem
saída, então era mais tranquilo ainda.
Eu e meus amigos vivíamos
diversas aventuras todos os dias. Everton, Lincoln e Pedro; trio inseparável, o
terror da vizinhança, o tormento dos monstros imaginários, o sufoco das árvores
que nos acolhia, e por aí ia longe...
O fato é que, todo dia quando íamos brincar,
eu olhava para um pé de cerejeira que havia na vizinhança, numa rua mais para
baixo... quando ela dava flores, era a coisa mais linda. Eu queria ficar lá
admirando. Uma paixão inexplicável. Everton e Pedro não curtiam muito esperar
eu apreciar minha árvore preferida, mas não falavam nada. Com a gente não tinha
essa de não respeitar, era muito bom.
Sempre que podia, eu levava um raminho
com as flores para minha mãe enfeitar a casa. Ela colocava em um vaso amarelo
bem bonito que ficava em cima do aparador de madeira de lei, bem em frente à
porta de madeira com quadradinhos de vidro. As flores não duravam muito, mas
ainda assim, eram minhas preferidas. Quando elas murchavam, eu não tinha
coragem de jogar fora como mamãe pedia, então, para ser mais humano, eu pegava
o pobre galho, com todo cuidado, e já morto, enterrava no canteiro em frente à
casa com toda cerimônia.
Os anos se passaram, a amizade prevaleceu,
mas nossos destinos nos distanciaram um pouco. Ainda nos falamos com
frequência, e nunca falta assunto. Pedro ainda mora no mesmo bairro, casou com
uma garota baixinha igual ele, com olhos castanhos e cabelos longos e lisos,
completamente o oposto dele. Um belo casal. Eles vivem lá e ela está grávida,
mal posso esperar para conhecer o bebê, que a qualquer momento, está por vir.
Eles sonham com isso há tempos.
Everton se mudou para a capital,
encontrou com o amor da sua vida e hoje vive com seu namorado. Eles ainda não
casaram e nem sei se querem, mas são felizes ao que parece. O namorado o chama
de “ursinho”, acho que porque ele é mais gordinho e tem cara daqueles bichinhos
de pelúcia de máquina, além de que ele é um doce de rapaz, fofo como um ursinho
mesmo.
Eu, devido aos estudos, me mudei
para outro país. Foi difícil no começo, principalmente pelos costumes, mas com
o tempo me adaptei a tudo. Sou muito feliz também, trabalho com o que gosto,
mesmo ainda ganhando menos que os profissionais brancos que fazem a mesma coisa
que eu. Sou um eterno lutador e revolucionário, busco justiça todos os dias nas
pequenas coisas, participo de manifestações, espalho minha verdade e tento
fazer a diferença na vida de alguém. Queria que o mundo fosse como éramos quando
crianças... ninguém se importava com nada além do que fizesse todos felizes.
Quando a saudade aperta, apelo
para as fotos, envio mensagens ou vídeos para os amigos e fecho os olhos para
lembrar de como a minha vida era boa. Agora ela também é, mas estou longe dos
que mais amo. Meus pais já faleceram, minha família, que já era bem pequena, se
afastou, e meus melhores amigos, ficaram no Brasil.
Conheci novas pessoas, e aos
poucos, vejo uma nova família nascer, afinal, quem nos ama e nos acolhe são os
mais importantes em nossas vidas. Mas, ainda assim, meu passado me atrai. Algo
me liga àquele lugar, uma conexão diferente.
Há um grande parque por aqui, e
em algumas épocas do ano, consigo me sentir naquela rua sem saída que me dava
tanta paz. As flores de cerejeira se abrem, me abraçam, encantam a todos que passam
por elas. Viram cenário da alegria, o colorido da estação, o amor que conforta
os nossos corações.
Sem que ninguém perceba, pego um
galhinho e levo cuidadosamente para casa e o coloco em um vasinho, como minha mãe
fazia. Nada melhor do que nossas raízes. Ironicamente, no mesmo instante que
uma lágrima escorre pela lembrança, recebo uma mensagem de Pedro com uma foto
de aquecer a alma.
A bebê havia nascido e era uma
garotinha muito linda e o casal a carregava abraçados por Everton e seu namorado.
Todos estavam em frente a uma grande cerejeira na rua em que eu morava. Emoção
à flor da pele. No texto ele dizia:
“Você deixou sua marca em nossos corações... sua árvore preferida, de
alguma forma, nasceu no canteiro que você as enterrava quando murchavam. Você
está aqui todos os dias com a gente, e Carol, nasceu no mesmo dia em que as
primeiras flores da sua cerejeira. Esperamos você em breve para conhecer sua
afilhada”.
Bruno Lopez
Que lindo, qto amor.
ResponderExcluirObrigado pelo carinho!!
ExcluirVerdadeiramente colhemos o que plantamos...Texto apaixonante!...Parabéns, querido!...Bjs!...❤🥰🤩💋🙌🙌
ResponderExcluirExato... então que as pessoas possam plantar sempre amor e respeito <3
ExcluirMaravilhoso...💚
ResponderExcluirObrigado <3
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