EU SAÍ DO MEU CORPO

 


Em uma (era para ser) noite tranquila de sono, algo diferente aconteceu. Naquela madrugada de 12 de fevereiro de 2012, eu me vi de fora. Uma novidade para mim. Como era possível eu poder me ver dormindo? Talvez fosse um pesadelo? Uma charada do destino?

Eu não sei bem o que aconteceu naquele dia, mas lembro que fiquei paralisado por um tempo enquanto via tudo ao meu redor. A cena lembrava um daqueles sonhos em que podemos fazer qualquer coisa, mesmo não fazendo tanto sentido; sabe, aquele que é fácil ir praia à montanha em questão de segundos, e de repente, aparece um jacaré dançando flamenco em uma avenida movimentada da capital? Pois bem...

Por um instante eu tentava entender a lógica daquilo tudo, mas obviamente não existia. Eu podia ver minha barriga inflando com a respiração, a cara de preocupação até mesmo enquanto dormia e cada detalhe sobre mim, antes nunca visto. Aos poucos comecei a me movimentar, não era como se eu andasse ou voasse, talvez a palavra que consiga chegar perto seja flutuar. Eu conseguia me mover com facilidade e com uma velocidade fascinante. Era só pensar em algum lugar e voilà.

Ao perceber que eu estava bem tranquilo na minha cama, comecei a desbravar a casa. Meu pai dormia e roncava como um trator, mas isso já não era novidade, então queria ver o que mais eu descobriria de interessante. Ao passar pela cozinha, vi meu irmão caçula, de quatro anos, roubando doce de abóbora da geladeira. Aparentemente ele percebeu uma presença e saiu correndo para seu quarto. Depois de me divertir aquilo, segui meu trajeto.

Lembrei do meu melhor amigo, e imaginei a casa dele, de repente apareci lá, no meio da sala. Ouvi um barulho estranho e segui meu instinto, parecia que o pai dele e a mãe se davam muito bem, mas aquele talvez não fosse o dia de sorte dela, estava bem machucada enquanto ele dormia com a cara fechada, mas descansava, e ela, chorava, em silêncio. Com o coração partido, fui imediatamente ao quarto do meu amigo. Ele dormia com o travesseiro sobre a cabeça, parecendo que não queria ouvir algo. Ele nunca havia me contado, eu nunca tinha percebido, que barra!

Mesmo sem eu querer, minha alma foi transferida para outro local, esse nunca antes visitado por mim. Comecei a explorar o local. Muito silêncio. No pequeno cômodo tinha um colchão no chão e uma garota já conhecida da escola. Eu, particularmente, a detestava. Ela era muito cruel com as pessoas, amarga, insuportável. Fazia bullying com todos ao seu redor. Ao observar, percebi que dormia de qualquer jeito com um porta-retratos em mãos, parecia ser de sua mãe. A geladeira que ficara entreaberta estava nitidamente vazia. A vida por ali não era fácil.

Sem tempo para solidarizar, meu espírito foi transferido imediatamente para um beco escondido, numa rua afastada, um lugar triste. Chegando mais perto, puder ver um cara que havia me assaltado recentemente. Eu fiquei com tanto medo... No dia, ele tinha uma faca e me obrigou a dar todos os meus trocados a ele. Com muito desespero no olhar, eu percebi que ele precisava daquilo, mas depois, meu medo e raiva tomaram conta do meu ser. Agora posso ver que ele vive nas ruas e tem quatro filhos para alimentar. Ele realmente não devia ter outra alternativa naquele dia.

Eu tinha muito para ver, ao que parecia, mas comecei a sentir um enjoo como se tudo balançasse muito forte. Em frações de segundos eu estava no meu quarto e dentro do meu corpo, lugar que eu nunca achei que fosse possível sair.

Acordei com o despertador que tocava incansavelmente. Eu havia programado o horário de um remédio, o tomei e não conseguia dormir mais, pois fiquei pensando em tudo que havia visto ou sonhado. Naquela altura, eu já não sabia direito o que tinha acontecido. Duas coisas me chamaram atenção: a gente deve conhecer a história dos outros antes de julgar, independente se estão certos ou errados, pois é importante entender o porquê de cada coisa; a segunda é uma questão: o que aconteceria se eu acordasse sem minha alma dentro de mim? Morreria? Vagaria para sempre? Viraria um zumbi?

Que história maluca, uma experiência muito louca. Se foi real ainda não sei, mas tenho certeza de que aquelas pessoas tem mais compreensão e carinho de minha parte, a partir de agora. Desde então, as coisas melhoraram entre nós. E agora eu descobri porque sempre acordo sem meus lençóis, eu simplesmente os empurro para longe enquanto durmo.

Bruno Lopez


Comentários

  1. Muito bom!! As vezes precisamos nos colocar no lugar dos outros para saber o se passa 🥰

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    1. Sempre que possível acho importante trabalharmos a empatia 🙏🏻❤️

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  2. Muito bom. Me lembrei daquele documentário da Netflix sobre vida e experiências de quase morte...

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  3. Ótima reflexão!...Viajei com vc, pra variar!.. 😁😁😁...Bjs, querido!...❤🤩💋

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  4. Ótima reflexão!...Viajei com vc, pra variar!.. 😁😁😁...Bjs, querido!...❤🤩💋

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