ME CONTE ALGO QUE EU NÃO SEI

 

Hoje me fizeram uma pergunta que eu não soube responder. Logo eu, o cara que tem resposta para tudo, que improvisa como ninguém e que contorna qualquer situação adversa. É muito difícil alguma coisa que me deixe sem a fala, mas hoje, uma garotinha de, sei lá, uns 10 anos, me perguntou o inesperado.

Eu sou dançarino desde pequeno, sempre soube o que queria. Ainda bebê, minha mãe me conta que eu já dançava sem parar em qualquer ocasião. Antes mesmo de começar a andar, eu já dancei com os bracinhos, segundo meu pai. Eles logo entenderam que o meu futuro seria nas artes, fazendo piruetas, dando saltos, interpretando com toda minha alma as mais diversas músicas. Graças a eles, eu estudo muito, e hoje, com meus 18 anos, sei de tudo um pouco.

Me chamo Rodolfo e minha especialidade é o balé, mas eu também sapateio, danço jazz, adoro dança de rua, mas é no clássico que me entrego mais. Para mim, sempre foi fácil saber, não era surpresa alguma descobrir este universo, foi algo natural. Claro que por ser um garoto, tive que ouvir dezenas de piadas sobre dançar ou vestir um collant, mas sinceramente, eu nunca me importei, pois quanto mais me criticavam, mas eu me especializava. Hoje sou um dos melhores da minha cidade, sou até referência para alguns. Quando as pessoas veem meu nome, logo relacionam a coisas boas. E isso é impagável

Hoje, respondo uma entrevista antes de ensaiar para mais um show. Mal posso esperar. Casa cheia, muita luz e o meu solo. Ah, o solo dos sonhos, que eu sonhei por anos e aperfeiçoei até merecer levar ao palco. Vai ser hoje à noite, o grande dia.

O programa de rádio que me entrevista é um pouco diferente. Nas sextas-feiras, eles sempre convidam um artista para ser entrevistado por Val e pela Pequena Val. Elas são mãe e filha e o programa é um sucesso, pois tem a visão dos adultos e as perguntas autênticas de uma criança.

Val me perguntou sobre minha vida, quando tudo começou, o que e quem me inspirou. Mas foi a pequena Val quem me surpreendeu.

—Você já disse muito sobre você e dá pra ver que sempre soube o que quis. Mas o que você não quer?

Por um momento eu ri, afinal era tão óbvio responder aquilo. Mas não era. Eu pensei que seria a pergunta mais ridícula do dia, mas na verdade, foi a mais profunda. A garota, em sua simplicidade, me questionou sobre o que eu não queria. Na carreira, na vida... E eu travei para na hora de falar. Acho que a vida toda me preparei para o que eu queria, mas nunca para o contrário.

— Eu não sei. — Respondi.

Com um silêncio de ambos os lados, Val, com muita destreza, agradeceu minha participação e encerrou a entrevista com a música que eu dançaria ainda aquela noite.

Chegando ao palco, mais tarde, depois de ter passado centenas de vezes a coreografia para que saísse perfeita, eu ainda estava intrigado com a questão que eu pensara o dia todo. Eu sempre tive na ponta da língua o que eu mais desejava, sabia como conseguir e o que tinha que fazer, mas e as coisas que eu não queria de jeito nenhum?

Subi no palco, as luzes se acenderam, fiz o melhor número de toda minha vida. Entre um passo e um elegante movimento de mãos; a única coisa que passava em minha mente era que, mesmo sem saber direito o que seria; um sorriso, ponta dos pés, salto e pirueta; eu não queria nada que me privasse daquela sensação.

Bruno Lopez