LARANJA CELESTE

 

👀Este texto contém gatilhos emocionais sobre suicídio👀


Lembro como se fosse hoje daquela quarta-feira. Eu estava em uma trilha, sozinho, refletindo sobre tudo. Já sem ânimo ou vontade de sonhar e esperar que as coisas mudassem, tentei o último desafio que minha psicóloga me deu. Prova final antes de desistir.

Eu tinha em mente, que se nada daquilo fizesse sentido, eu acabaria com a minha vida, deixaria tudo (ou nada) para trás e acabaria com todo o meu sofrimento. Cada passo que eu dava, vinham em minha memória as palavras e frases que eu mais ouvia sobre meu estado depressivo.

“Que exagerado!”

“Isso é falta de ter o que fazer!”

“Vagabundo!”

“Quer só chamar atenção!”

“Depressão? Eu não tenho tempo para isso, eu trabalho!”

“Que tal lavar uma louça, para ver se acorda para a vida?”

“Tadinho...”

Apesar de muitos julgarem minhas intenções e sentimentos, e até mesmo o dinheiro que eu investia em análises, eu continuava a tentar. De certa forma, segundo a Dra. Melany, eu não queria desistir, eu estava ali porque era mais forte do que imaginava, e apenas o fato de procurar ajuda já me mostrava quão valente eu era. Encarar seus próprios medos e monstros pode ser algo tenebroso.

Mas já que eu dependia somente de mim, eu tentaria até onde fosse possível. Só que eu já não estava aguentando havia algum tempo... Anos se passaram, os problemas continuaram, eu ainda era invisível no trabalho e em minha restrita família. Digo isso, pois era composta por dois tios, um primo que não conversava com ninguém e uma prima mimada que só sabia me chutar e mandar me calar.

Na segunda-feira passada, eu estava tranquilo em casa almoçando após trabalhar. Meu ofício era envelopar cartas e catálogos de diversas empresas que enviavam a seus clientes. Eu gostava do que fazia porque não tinha como me decepcionar com ninguém além de mim mesmo.

Em uma das sessões, a doutora me perguntou quando eu achava que tudo havia começado, e um filme passou em minha mente. Não sabia dizer ao certo uma data ou evento específico, mas um misto de situações passavam como um trailer nos cinemas, só que um milhão de vezes mais acelerado na minha cabeça.

Dentre os fatos mais marcantes, estavam todas as vezes que não fui convidado para alguma coisa na escola ou entre os poucos “amigos” que eu tinha; as vezes que eu falava, que pareciam conversas mudas, pois ninguém era capaz de escutar; as vezes que colocaram as mãos em minha frente e pediram para esperar, mas nunca voltaram a atenção à mim; os dias que fiquei esperando uma determinada visita que nunca veio; os Natais em que dei presente, mas nunca recebi; os aniversários comemorados na padaria com um cupcake e velinha; as vezes que levantei a mão e não me viram; as decisões tomadas por mim sem ao menos que me notassem; enfim, tudo o que sempre me fez sentir excluído voltava em forma de lágrimas e tristeza.

Se eu não significava nada a ninguém, não tinha porque me esforçar. Já havia ficado dias sem dar notícias e nem meu chefe virtual percebera. Fracassado era uma palavra que me definia.

Em minha última sessão eu sabia que não voltaria. Avisei minha psicóloga, acertei as contas e ela me deu um abraço e um conselho.

— Marcos, faça aquela trilha que você gosta, respire e encontre sua essência. Se nada fizer melhorar, não terei mais o fazer por você. Mas lembre-se, todo mundo só dá valor ao azul do céu, mas se esquece da beleza e grandeza dos dias alaranjados. Passam despercebidos, outros até olham, mas se espantam com o que é diferente. Você é especial, você é o céu quando está laranja, o pôr do sol, a luz mais forte, o momento mais belo do dia. Mas algumas nuvens estão cobrindo seu brilho e te impedindo de espalhar sua luz. Você quer tanto ser aceito, ser parecido com os outros que não percebe. Pare de querer ser azul, seja laranja celeste.

Com um abraço nos despedimos, sequei as lágrimas e fui até o parque para fazer a tal trilha. Depois de duas horas concluí o trajeto e cheguei até a pedra mais alta. Dali de cima não tinha como dar errado, o fim estava próximo. Fechei os olhos e comecei a andar em direção ao abismo. Um vento forte bateu, e por instinto, olhei onde estava. Mais à frente uma garota estava prestes a se jogar. Foi então que percebi que aquilo era um erro. Eu não podia. Ela não devia.

Para minha surpresa o sol estava se pondo, e naquele dia, o sol, quase sem nuvens, formava uma paisagem deslumbrante, toda alaranjada, sem vestígios de azul ou branco. Era intenso, lindo e dava esperança. Naquela hora eu entendi o que era o laranja celeste.

— Ei, moça! Para, venha até mim e me ajude a fazer o que quero fazer por você. Juntos conseguiremos, unidos poderemos ser laranjas e não azuis.

Ela fez cara de quem não entendeu na hora, mas de alguma forma secou o rosto com a manga da camisa e veio lentamente até mim. Nos abraçamos e ficamos lá por um tempo. Algo mudou naquele instante, e entendemos que tínhamos uma ligação eterna, uma gratidão, uma cumplicidade... Até hoje nos protegemos e cuidamos um do outro.

Nós entendemos que para nos salvar bastava que a gente mesmo nos desse valor. Críticas, opiniões e desacordos sempre irão existir, mas não precisávamos deixar com que essas coisas definissem quem nós éramos. Hoje falo isso no passado, pois aquele Marcos e a Rebeca que permitiu ser salva, não existem mais. Hoje mudamos tudo, sabemos nos impor, nos cercamos de pessoas realmente queridas, temos uma vida, a quem amar, e principalmente, a quem lembrar que somos muito mais que as aparências.

Bruno Lopez


Comentários

  1. Saúde mental.....palavra do momento !!!!!!!👏👏👏👏

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  2. Que belo texto, Bruno!
    Parabéns, precisamos falar sobre saúde mental

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  3. Nossa, um texto necessário demais..
    Mto lindo e forte!

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  4. Meu Deus, que texto maravilhoso. Parabéns Bruno... excelente abordagem em duas tão difíceis...

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  5. Todos tem um chamado!
    Ninguém veio ao mundo a passeio, pelo contrário, somos almas viventes em Deus, e que tudo que fizermos é pra Ele,por Ele somente.
    Então, tudo o que fizer faça bem feito, faça com amor, pois sem amor nada valerá !!!

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  6. Em dias tão desafiadores, é fundamental o autoamor.

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