RECADO DO ALÉM

Lembro daquele dia como se fosse hoje. Eu estava com pressa, como de costume. Saí de casa correndo, peguei tudo o que achei que precisaria e enfiei no carro. Automaticamente, dirigi até a padaria e estacionei de qualquer jeito. Em uma constante luta contra o relógio, pedi rapidamente um sanduíche e um café para ir tomando no caminho, entre as trocas de marcha e curvas, eu mordia um pedaço do pão e bebia a bebida quente.

A rotina deixa tudo no automático, nem percebemos a importância das coisas... Às vezes, é preciso que algo saia do roteiro para que olhemos com mais atenção.

Na ânsia de dar conta de tudo e sobreviver a mais um dia, eu nunca priorizei cuidar de mim, muito menos da parte emocional, e tudo bem, até então. Mas uma surpresa da vida me fez refletir. Naquele mesmo dia em que eu engolia o café da manhã e fazia tudo com afobação, ao chegar esbaforido no carro, eu me deparei com um bilhete, desses adesivos e coloridos, na maçaneta da minha porta.

“Você está multado! Estacionou torto em duas vagas preferenciais e atrapalhou a vida de muita gente.”

Eu levei um susto. Como eu pude ser tão amador e nem pensar no próximo, simplesmente fui egoísta. E realmente, olhando de fora, atrasei a vida de outras pessoas. Sem pensar em ninguém, somente prejudiquei a todos, inclusive a mim. Com a raiva tomando conta da minha essência, naquele momento, joguei o café no chão num surto de ódio, e claro, espirrou na minha calça. Com ainda mais raiva, eu só queria gritar e chorar. Aquilo não podia estar acontecendo. Afinal, quem multa alguém com um bilhete colorido?

Tirei o bilhetinho da porta e percebi que atrás dele havia outro colado. Desgrudei e li o segundo.

“Eu sei que fui cruel no primeiro bilhete, mas este é para te dizer que está tudo bem. Você devia estar com pressa e não quero atrapalhar mais o seu dia. Eu só queria que soubesse que você é especial e sempre pode mudar o dia de alguém. Tenha um ótimo dia. Respire.”

Eu parei por um momento. Então lembrei, que independentemente, de ser ou não uma multa de verdade, eu devia refletir sobre muita coisa. Tirei o carro dali, e parei em uma rua pacata pensando em quem poderia ter escrito aquelas coisas e porquê. Em um segundo de sanidade, respirei, refleti e decidi mudar algumas coisas. Não conseguiria mudar tudo naquele momento, mas certamente poderia retribuir o que me fizeram. Eu podia deixar o dia de alguém melhor ou mais leve, ao menos.

Até hoje não sei quem foi. Talvez o meu anjo da guarda, ou um ser de luz misterioso, mas isso realmente não importa. Hoje, sempre que posso, anonimamente, tento mudar o ponto de vista de outras pessoas. Parece pouco, às vezes sem efeito, mas a sensação de fazer o bem sem esperar nada em troca é única e reconfortante.

Tenho muito o que melhorar, mas enquanto eu puder, nunca mais andarei sem meu bloquinho de adesivos coloridos no bolso.

Bruno Lopez