JANTAR SEM SOBREMESA


Antes da Priscila morrer, a gente tinha o hábito de sempre experimentar restaurantes diferentes. Nós dois morávamos há 14 anos na cidade e tínhamos a meta de conhecer cada lugar que vendesse comida. Éramos apaixonados por isso.

Na verdade, eu ainda gosto muito, mas confesso que o sabor já não é o mesmo. A Pri tinha uma paixão especial pelos doces. Ela apreciava cada prato, mas era a sobremesa que mais lhe interessava.

Depois que ela se foi, cedo demais, na minha opinião, ainda faltava metade dos lugares que pretendíamos ir. Sempre achamos que teríamos todo o tempo do mundo para repetir os melhores depois que já tivesse esgotado as possibilidades. Queríamos ficar velhinhos e ter um restaurante preferido para chamar de nosso, daqueles que o garçom nem pergunta o que vai comer, pois já conhece bem o casal...

Quando passou muito tempo após o luto, continuei seguindo nosso plano, pelo menos assim, ela continuava comigo. Cada novo cardápio que eu experimentava me trazia a mesma sensação. Vazio. Nada parecia ter graça.

Quanto mais eu procurava por novidades, mais eu tinha vontade de voltar aos lugares que realmente amávamos. Comecei a notar que as novas experiências estavam acontecendo, mas simplesmente por acontecer. O encantamento não fazia parte mais do ritual, as bebidas eram sonsas, as entradas aceitáveis e eu nunca mais havia pedido a sobremesa.

Além do desgosto pelo hobby, a dificuldade em conhecer, sem exceção, todos os restaurantes, era bem alta, pois em uma capital, dezenas de negócios abriam e fechavam diariamente.

Em um domingo de sol, cansado de não sentir mais prazer em minhas escolhas, decidi voltar ao nosso restaurante preferido. Lá era o nosso lugar, tudo veio à tona. A emoção tomou conta do ambiente, tudo parecia igual antes, era ali que eu devia estar. Sem prestar muita atenção nas pessoas, eu comia nosso filé marinado com batatas rústicas de olhos fechados, até que, de repente, a sobremesa chegou sem eu pedir. Um oferecimento da casa. Eu então havia entendido tudo.

Nem sempre o atingimento da meta ou o destino da viagem que nos define, mas o caminho que trilhamos até lá. Claro que se pudermos cumprir será ótimo, mas muitas vezes, as melhores coisas acontecem no trajeto. A emoção move a vida, que nem sempre tem tanto tempo sobrando... Descobri que eu fui feliz no presente em cada dia que pude, e depois eu aprendi a alegria de viver um novo presente. E mesmo desbravando novos lugares, sempre havia espaço para os velhos conhecidos.

Bruno Lopez


 

Comentários

  1. Parabéns Bruno pelo conto com texto leve e gostoso de ler.

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  2. Nossa Bruno que interessante, está semana assisti à uma palestra que falava justamente disso, que o importante realmente, a felicidade "Mais duradoura" é a dos preparativos, do que antecede o fato em si !
    Universo mandando recado ????
    Adorei !!! Bjsssss

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    1. O universo sempre está mandano recados, acho que estamos sincronizados com ele, rs.

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  3. As pessoas que amamos, mesmo não estando mais presentes, sempre estarão em tudo, pois sempre vamos lembrar de cores,sabores e lugares, que ela gostaria de conhecer ou rever!
    Por isso, viva todos os dias um dia ímpar,no qual alguém tbm irá se lembrar de você !!!

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    1. Adorei isso! Podemos fazer a diferença na vida de alguém, todos os dias...

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  4. Adorei o texto, super acredito que o caminho sempre é a melhor parte. Vivendo e aprendendo :).

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